10 set, 2020 - 07:00 • Dawit Dejene*
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A pandemia de Covid-19 tem sido um grande desafio para a Etiópia, desde março de 2020. O Governo declarou estado de emergência e começou o confinamento que implicou o fecho de escolas, a proibição de ajuntamentos de mais de quatro pessoas, a lavagem rigorosa de mãos em todos os espaços comerciais e estabelecimentos governamentais, as lojas e os bancos tiveram de disponibilizar meios para lavar as mãos, bem como máscaras para que as pessoas pudessem entrar. Estas medidas representam uma enorme alteração nas práticas diárias, mas não demorou muito tempo até que as pessoas se adaptassem e começassem a obedecer.
No início as pessoas não compreendiam a gravidade da Covid-19, até que o procurador geral explico os detalhes do estado de emergência e as multas e consequências caso as pessoas não observassem as regras. Implicava as pessoas serem paradas e temporariamente detidas, o que causou muitos protestos, até ao ponto em que a comissão dos direitos humanos manifestou a sua preocupação e o Governo adotou medidas mais pedagógicas para encorajar as pessoas a cumprir as regras. A pandemia também levou ao adiamento das eleições de agosto de 2020 para algures em 2021.
É muito difícil impor um confinamento total na Etiópia, por causa da pobreza, pois as pessoas ficam sem rendimentos. Por isso houve um confinamento parcial, juntamente com as regras a obrigar a usar máscaras e lavar as mãos em todos os estabelecimentos, evitar ajuntamentos, reduzir a capacidade dos transportes públicos, fechar locais de culto e impor quarentena de 14 dias para pessoas que vêm de fora.
À medida que o número de pessoas infetadas crescia em todo o mundo, o mesmo acontecia na Etiópia, como foi relatado diariamente na televisão e na rádio. As religiões declararam um mês inteiro de jejum e oração e os serviços religiosos foram transmitidos em direto na televisão. Os etíopes são um povo muito religioso, por isso as pessoas rezam de forma fervorosa. A cobertura e os esforços de educação ajudaram as pessoas a ganhar mais consciência do perigo do vírus, e a tomar melhor conta de si.
Para mim foi muito preocupante porque a minha mulher estava a terminar o seu doutoramento na universidade de Quioto, no Japão, e tinha pensado regressar para receber o seu diploma no final de março. Contudo, a cerimónia acabou por ser um evento muito pequeno, com distanciamento social. Depois ainda teve de regressar à Adis Abeba e fazer quarentena de 14 dias. Foi um tempo muito preocupante para nós, porque havia cada vez mais notícias de pessoas a apanhar Covid durante as suas viagens.
Chegou a Adis Abeba no dia 29 de março e teve de ir para um hotel, o que nos custou 80 dólares por dia. Foi um grande desafio para ela estar fechada num quarto de hotel, com um polícia à porta o tempo todo, fazendo com que parecesse uma prisão. Todos os dias vinha um médico designado pelo Governo para lhe medir a temperatura e ver como estava.
Nos relatórios diários da Covid-19 íamos sabendo os números de casos positivos e a maioria eram pessoas que vinham do estrangeiro e estavam em quarentena, o que tornou tudo mais preocupante. No 14.º dia da quarentena dela a minha mulher fez um teste e no dia 16 o resultado chegou, negativo. Celebrámos juntamente o resultado, bem como o seu regresso à Etiópia e as suas proezas académicas. Por causa das regras não pudemos celebrar o doutoramento com família e amigos, mas foi bom só passar tempo com a família.
Eu trabalho no ramo das viagens e turismo, um dos setores que foi mais duramente atingido. A minha empresa é uma das que continua a sofrer por causa da Covid, até agora. O Governo decretou que as empresas tinham de continuar a pagar a todos os seus empregados, o que tem sido bastante duro. O lado positivo é que o Governo estendeu os alívios fiscais para impostos em atraso. A minha empresa conseguiu aceder a isto e tínhamos alguns impostos em disputa há cinco anos, que foram descartados. A nossa linha aérea, a Ethiopian Airlines, tem tido enormes perdas financeiras, mas continuou a voar apesar da Covid. Foi a única linha aérea em África que continuou a voar e eu consegui sustentar o meu negócio, principalmente com carga, mas agora estamos a tentar recuperar o pé.
Outro desafio foi quando as escolas fecharam por causa da Covid. Tive de ajudar a minha filha de nove anos com as suas aulas online, o que foi um grande desafio. Ela é muito energética e foi difícil mantê-la sossegada durante metade do dia a ter aulas à frente de um ecrã, durante quase três meses. No mês final a minha mulher tomou conta da situação, o que foi um alívio enorme. O meu mais velho está na Universidade nos Estados Unidos e as suas aulas foram suspensas mas os alunos internacionais puderam permanecer no campus, o que foi bom, e fomos seguindo os seus desenvolvimentos.
À medida que o tempo passou fomo-nos adaptando à vida com Covid. Saio de casa para fazer o que preciso de fazer e passo de vez em quando pelo escritório, apesar de o trabalho ainda não ter voltado ao que era. No dia 29 de junho um cantor famoso foi assassinado na capital, o que causou uma grande crise política no país, e muitos mortos, danos a estabelecimentos comerciais e pilhagem. Foi bastante assustador, e até nos fez esquecer a Covid.
A internet esteve suspensa durante duas semanas nessa fase, e por isso a comunicação não foi possível, mas à medida que a situação acalmou e a internet voltou, as pessoas voltaram a centrar-se na Covid. Nesta fase as pessoas estão a ter mais cuidado, porque veem que os números estão a aumentar todos os dias.
Esta sexta-feira, dia 11 de setembro, celebramos o nosso Ano Novo e as pessoas estão a entrar em modo de festa, tentando comprar ovelhas, cabras e galinhas para a celebração. Tenho visto maiores cuidados nos dias que antecedem a festa, o que é bom. A nossa esperança e desejo é que rapidamente surja uma vacina, e que seja disponibilizada em África também, para que a nossa vida e os nossos negócios possam voltar ao normal.
Por agora, aprendemos a adaptar-nos e a viver com aa Covid e espero que este novo ano etíope (entramos em 2013) traga uma situação melhor para a minha família e para o meu país.
Feliz Ano Novo!
*Dawit Dejene tem 51 anos e vive na capital da Etiópia com a sua mulher e uma filha, estando o filho mais novo a estudar nos Estados Unidos.