08 abr, 2020 - 07:00 • John Paul Jalwan*
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Quando olho para o sofrimento todo no mundo, quase que tenho vergonha em admitir que a quarentena por causa da pandemia de covid-19 tem sido boa para mim. Enquanto músico tenho aproveitado esta oportunidade para compor de forma muito mais eficiente do que alguma vez me tinha sido possível.
Mas sei bem que muitos outros não têm a mesma sorte. A minha irmã, psicóloga num hospital em Paris, escreveu-me o seguinte: “Os médicos e as enfermeiras estão lavados em lágrimas. Quando um doente sobrevive saltamos de alegria, e isso anima-nos um bocado”.
Aqui no Líbano as coisas não são muito mais fáceis. Não só por causa do coronavírus, mas também por causa da situação económica. No dia 25 de março o jornal “Les Clés du Moyen Orient” escrevia: “Imerso na pior crise económica dos últimos 30 anos, os libaneses têm de enfrentar altos índices de desemprego e políticas de austeridade drásticas”.
No dia 17 de outubro de 2019 até começou uma revolução depois de o Governo ter anunciado um imposto sobre o uso do WhatsApp, que é muito popular no Líbano. Foi a gota de água. Os libaneses estavam fartos de um Governo altamente corrupto. O Líbano tornou-se um país em que é difícil sobreviver; onde tudo é caro quando comparado com o ordenado mínimo e o rendimento médio: comida, escolas, eletricidade e água, combustível e impostos altos, para dar só alguns exemplos, sem que se veja nada em troca.
Anos a fio desta situação levaram muitos libaneses a emigrar e, nalguns casos, tanto antes como durante a revolução, a suicidar-se. A revolução não foi o sucesso que muitos esperavam, uma vez que a palavra de ordem era “todos, é mesmo todos”, exigindo que todos os membros do Governo e do Parlamento se demitissem, sem exceções…
Mas a verdade é que tem havido alguma mudança. Formou-se um novo Governo – constituído por políticos novos e antigos – e é justo dizer que ele tem lidado muito bem com a pandemia, logo desde que surgiu o primeiro caso, no final de fevereiro de 2020. As escolas e as universidades foram imediatamente encerradas, depois, de forma gradual, as lojas, restaurantes, centros comerciais, museus, clubes, o único aeroporto e as empresas em geral, juntamente com uma rigorosa quarentena em vigor desde 16 de março. E deve-se referir ainda que o Governo também criou um plano para apoiar famílias pobres, com rendimentos baixos, ou sem rendimentos. As restrições estão a ser respeitadas pelas pessoas, que estão cientes dos riscos, sobretudo porque o setor da saúde já tinha sido afetado pela crise económica, bem antes do coronavírus.
Se tudo continuar sob controlo, os libaneses hão de sobreviver! A revolução de 2019 já tinha revelado uma solidariedade sem precedentes entre as várias fações e comunidades religiosas no Líbano e isso fortaleceu-se com a pandemia.
Quanto mais falo com as pessoas mais descubro que muitas estão, como eu, a tentar tirar o melhor partido da situação, apesar das dificuldades financeiras, seja aproveitando para tirar cursos, lançar projetos ou ajudar os outros, todos estão apostados em contribuir para um futuro melhor.
*John Paul Jalwan tem 36 anos e vive no Líbano. É solteiro e músico de profissão.