27 ago, 2020 - 06:34 • Sandra Korteweg*
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Crescendo nos anos 70 e 80 do Século passado, vi a Holanda tornar-se uma nação em que toda a gente tinha de ter uma opinião. Todos iguais, reis do seu próprio umbigo, abaixo todas as armas nucleares, liberdade e felicidade. Tolerância tornou-se a palavra mágica a que a sociedade se teria de habituar.
A Holanda estava na vanguarda no que dizia respeito à liberdade dos cidadãos. Casamento homossexual? Na Holanda era possível. Uma mulher a querer batizar um filho que tinha decidido criar sem pai? Na Holanda era possível. Eutanásia? Na Holanda era possível. Mas como é que um país que se define como sendo tolerante para com toda a gente resiste a uma crise como a da Covid-19?
O primeiro caso de coronavírus foi registado na Holanda no final de fevereiro e a primeira morte ocorreu no dia 3 de março. A seriedade do vírus tornou-se cada vez mais clara.
Então tornou-se necessário agir como um governo. Mas como é que se lida com 17 milhões de cidadãos que consideram que o seu maior bem é a liberdade? Inicialmente o Governo adotou a estratégia da imunidade de grupo. Mas rapidamente isso provou ser pouco viável e em meados de março puxaram o travão de mão, aplicando um confinamento inteligente. Fecharam-se hospitais, a indústria da hotelaria foi encerrada e as pessoas foram convidadas a trabalhar a partir de casa. Espirrámos para o cotovelo, lavámos as mãos em excesso e mantivemos distâncias de metro e meio entre pessoas. E fizemo-lo não porque o Governo no-lo impôs, mas pelos outros, pelos grupos de idosos vulneráveis, que não queríamos infetar.
Enquanto o número de casos e de mortos continuava a aumentar, todos estavam dispostos a observar as medidas, tanto quanto possível.
Foi então que, no final de maio, chegaram as medidas de desconfinamento. A indústria hoteleira pôde reabrir em condições rigorosas, as escolas primárias reabriram de forma cuidadosa, permitindo novamente a entrada de crianças, jardins zoológicos e parques de diversão voltaram a admitir alguns clientes e a vida começou, lentamente, a regressar à normalidade a partir da primeira semana de junho.
Mas quando se dá a mão a um holandês ele não tem muita paciência para esperar pelo resto do braço. Assistimos a um grande salto de teorias da conspiração. Enquanto antes havia a ideia de que o Governo estava a privilegiar a economia em vez da saúde com as medidas de desconfinamento, rapidamente se passou a dizer que o Governo estava a retirar-nos a liberdade e que todas essas medidas eram disparatadas.
A Holanda não seria a Holanda se não tivesse sido formado rapidamente um grupo de ação. Este ficou conhecido como “Viruswaanzin” (loucura-de-vírus) e opunha-se à loucura, do seu ponto de vista, de usar máscaras, do distanciamento social, das limitações na hotelaria e do teletrabalho.
Agora que morreram mais de 6.000 pessoas de Covid-19 na Holanda, torna-se difícil dar crédito à ideia de que o coronavírus é só uma gripe. Porém, grupos como o “Viruswaanzin” sabem bem como manter esta ideia viva em parte da população holandesa. Depois de terem abdicado das suas liberdades durante seis meses, parte do povo revoltou-se. Verdade, ficção, mentiras e agendas misturam-se e levam a tensão e mais tensão.
Mas nos Países Baixos aprendemos a ser tolerantes para com os que pensam de forma diferente. Por isso a maioria silenciosa dá a grupos como o “Viruswaanzin” uma resposta moderada e fia-se no bom-senso individual e é por isso que podemos assistir a manifestações diante do Parlamento, sem máscaras e sem distanciamento social, com demasiadas pessoas aglomeradas.
Tudo isto leva a fricções entre pessoas diferentes. Mas a fricção também puxa o lustro, e é por isso que nós, holandeses, haveremos de sobreviver a esta crise, tolerantes como somos.
Ai Holanda, às vezes és o país tolerante mais intolerante que conheço, mas não deixo de te amar!
*Sandra Korteweg tem 54 anos e é uma ativista política no Parlamento holandês e mediadora profissional, para além de se dedicar à defesa dos cristãos siríacos na Síria e no Iraque.