22 jun, 2020 - 06:24 • Abdelaziz Vera Cruz*
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Na última década, houve um crescimento substancial da participação ativa de juventude guineense na vida social do país. Hoje, existe um elevado número das pessoas jovens que se consideram ativistas sociais e políticos. Isso demonstra que a responsabilidade cívica e o grau da exigência e a própria pressão social não são iguais àquilo que estava sendo há anos.
Entretanto, com o surgimento da pandemia gerada pela Covid-19, as autoridades políticas da Guiné-Bissau declararam estado de emergência, obrigando as pessoas a uma quarentena sem uma estratégia que reflita a real situação social, económica e cultural do país, ou seja, seguindo apenas o modelo que o mundo ocidental estava a cumprir, fechando-se em casa com abastecimento pontual de alimentos, uma vez que lá existe condição para a conservação desses alimentos.
O nosso sistema organizacional, a própria estrutura social e as infraestruturas habitacionais, na prática, não permitiam a uma família permanecer na sua residência por 15 dias ou mais, sobretudo nesta altura em que caminhamos para 75 dias de confinamento, quinta vaga de estado de emergência.
Na Guiné-Bissau, normalmente, as famílias sustentam-se da produção e do rendimento do próprio dia ou do dia anterior. Estando na incapacidade de obter algo para se alimentar, devido à ausência de medidas apropriadas e contextualizadas por parte das autoridades estatais no momento de decidir sobre a imposição do estado de emergência, as famílias começaram a abandonar a quarentena com o propósito de “em vez de morrer de fome, melhor morrer de doença”.
Nesta situação, as autoridades estatais perceberam que a sua ordem de obrigar as pessoas a ficarem nas suas residências não estava a ser cumprida. Mais uma vez, o poder político em vez de procurar estratégias capazes de ir ao encontro das necessidades da população, decidiu simplesmente usar o mais fácil, a força. Neste caso, a violência contra a população que está à procura do seu pão de cada dia.
Contudo, a juventude guineense, aliás, os ativistas socias e alguns ativistas políticos, no exercício da cidadania ativa, mobilizaram-se juntamente com algumas organizações da sociedade civil e definiram uma estratégia de sensibilização da população sobre Covid-19. Além disso, criaram campanhas de angariação de fundos e dos produtos da primeira necessidade, distribuindo assim esses alimentos às famílias com menos posse, minimizando o seu sofrimento e a fome.
A Guiné-Bissau é um país onde as autoridades não são espelhos da sociedade. Paradoxalmente, as comunidades guineenses têm mais sentido organizacional e são capazes de mobilizar a massa muito mais do que o próprio poder político. Por isso, é importante continuarmos numa cidadania ativa, sobretudo neste tempo cinzento de Covid-19.
*Abdelaziz Vera Cruz é um jovem escritor guineense, baseado em Bissau. Entre os seus romances encontra-se "M'bim, o Feiticeiro" e "Não havia trânsito".