23 abr, 2020 - 19:46 • Teresa Costa Alves*
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Escrevo este postal da mesa de jantar da minha sala. O meu filho de cinco meses dorme no quarto. O meu marido trabalha na única secretária da casa, comprada à pressa uns dias depois da sua empresa ter fechado o escritório e instituído o trabalho remoto para os quase 100 trabalhadores.
A última vez que saímos os três de casa para um passeio em família foi a um sábado; era dia 14 de março. No dia seguinte, o Governo austríaco recomendou o teletrabalho a todas as empresas cuja produção pudesse ser deslocada para casa e decretou o encerramento de todos os serviços considerados não essenciais. Sobraram, portanto, hospitais e consultórios médicos, supermercados, farmácias, bancos, correios e tabacarias.
Nessa altura, no Tirol, região famosa nacional e internacionalmente pelo esqui, começa a preocupar o crescente número de casos surgidos nos visitantes das estâncias de neve da zona nos dias seguintes às férias de Carnaval. Desde então, o Governo do jovem chanceler Sebastian Kurz (33 anos) foi rápido a atuar: foi instalada a quarentena obrigatória no Tirol, fechando-se a região a qualquer saída injustificada; geraram-se incentivos a todas as empresas que pudessem seguir com o seu negócio em regime de teletrabalho e recomendou-se à população o distanciamento social.
A cidade onde vivo, Graz, é a segunda mais populosa da Áustria, com 300 mil habitantes, uma universidade reputada e um tecido empresarial em expansão. Talvez por se tratar de uma cidade universitária, o ambiente é habitualmente relaxado. E nem nestes tempos mais inusitados se esbateu essa leveza que se sente no ar. As ruas jamais se despiram por completo nunca nos assolapou aquela sensação de fim de mundo. Um número considerável de carros e algumas bicicletas continuaram a circular; os mais empenhados em manter a forma seguiram com as suas corridas ao longo das ciclovias e do rio; e os cuidadores de cães finalmente sentiram-se privilegiados por terem de sair para os passear (e para se passear). No fundo todos os dias pareciam domingo, dia em que todas as lojas, cafés e alguns restaurantes na Áustria fecham completamente as portas para descanso em família.
Desde cedo fez-se obrigatório o uso de máscara dentro dos serviços que permaneciam abertos. Há duas semanas, tive de levar o meu filho ao médico para uma vacina (por aqui não há centros de saúde; ao invés, cada consultório médico é responsável pela vacinação das crianças) e o cenário que encontrei foi bastante diferente do habitual. No lugar das dezenas de pais e filhos com quem normalmente partilho a sala de espera do consultório, estávamos apenas nós dois. A rececionista, que desta vez representou também o papel de assistente e enfermeira, atendeu-nos com uma preocupação visível nos olhos cansados. Atrás de uma máscara em forma de concha, explicou-me que está farta das pessoas que chegam ao consultório sem máscara e ainda por cima não respeitam a distância aconselhável de pelo menos um metro de distância. Trazia na mão um spray desinfetante, a que chamou “o seu melhor amigo”, e nos 15 minutos em que esteve connosco, trocou de luvas três vezes.
Se tivesse que escolher uma palavra para representar esta experiência de isolamento social na Áustria, seria compromisso – nos seus vários sentidos. Compromisso com o cumprimento das regras; mas também compromisso com a sanidade mental dos cidadãos, que continuam a sair à rua apenas para caminhar, sentir o sol primaveril no rosto e aliviar a pressão de não nos podermos abraçar. No fundo, encontrámos por aqui uma solução de compromisso: de forma racional, e respeitando o distanciamento, não precisamos de viver estes tempos inusitados como tempos encarcerados. Há famílias nos parques, de toalha estendida, a disfrutar do verde e das árvores em flor, a dois ou mais metros de distância umas das outras.
Por estes dias, sente-se um cheiro a primavera e a otimismo no ar. As lojas reabriram a semana passada, com uso obrigatório de máscara e doseamento de entradas e saídas. No dia 15 de maio, reabrirão os restaurantes e as escolas. Contudo, os mais pessimistas rejeitam o perfume inebriante da liberdade. Surge o medo latente de o número de casos voltar a aumentar após este alívio das medidas de confinamento. Depois de um Inverno nevado em que conseguimos desviar-nos da avalanche, veremos o que nos reserva esta brisa fresca de uma Primavera florida.
*Teresa Costa Alves é produtora de conteúdos no LinkedIn Áustria em Graz e está atualmente de licença de maternidade.