07 jul, 2020 - 06:50 • Wies e Ward Renders-Liekens*
Leia também:
Estamos a viver tempos especiais na Grécia. Tivemos umas grandes dificuldades nos últimos anos, mas o vírus é o cúmulo. A situação tornou-se uma tragédia grega, mas infelizmente não existe qualquer “deus ex machina” para pôr tudo em ordem outra vez.
Somos um casal belga e vivemos já há 18 anos em Pinakates, uma pequena aldeia que fica na encosta da montanha Pelion, na Grécia continental, onde estamos habituados a uma quarentena constante, uma vez que só há 100 habitantes na aldeia. Da nossa montanha temos uma vista única sobre a sociedade grega e temos ficado surpreendidos pela positiva com a forma como os nossos amigos gregos têm reagido a esta crise e às medidas tomadas para a conter.
A palavra disciplina existe no dicionário grego, mas de acordo com um amigo nosso de cá, só lá está para enriquecer o vocabulário. Mas agora o país foi dos primeiros a instituir orientações muito rigorosas, e toda a gente as seguiu. Normalmente teríamos assistido a muitos exercícios de imaginação por parte dos cidadãos para as evitar, mas desta vez não.
O resultado é que a vida na Grécia parou completamente, com estradas e praias desertas. Só as viagens estritamente necessárias eram permitidas e era preciso estar munido de documentos legais que mostrassem para onde se estava a viajar, e porquê. Como houve tão poucas violações das regras a situação manteve-se bastante controlada, com um número baixo de infetados e apenas 190 mortes causadas pela Covid-19.
Postal de Quarentena – Moria
A ilha de Lesbos, na Grécia, teve apenas quatro ca(...)
Por vezes o entusiasmo para combater esta crise tornou-se até um bocado exagerada, como quando o exército fechou as estradas e tínhamos barricadas de 500 em 500 metros para chegar ao supermercado. Mas até agora o esforço tem valido a pena. O lado negativo é que a economia, sobretudo o turismo, tem sofrido muito. O turismo é responsável por 20% do PIB e nas ilhas a maioria das pessoas dependem dele. Uma vez que muitas delas trabalhavam no mercado negro, de repente ficaram sem rendimentos. Assim, a crise de saúde tornou-se uma crise económica. Existe uma pressão enorme para reabrir todos os setores da economia e no início de junho as medidas começaram a ser liberalizadas gradualmente.
Também é importante notar que, tal como nos outros países mediterrânicos, os gregos são pessoas muito tácteis: beijinhos, abraços e ajuntamentos fazem parte da forma de vida da sociedade. Esperamos, por isso, que a reabertura do turismo não conduza a uma reimportação do vírus e que a liberalização das regras não leve as pessoas a baixar a guarda.
Mas acreditamos que a Grécia tem resiliência suficiente para lutar contra este infortúnio, como fez durante a última década, durante a profunda recessão económica, e que possamos ultrapassar este obstáculo. A criatividade, o talento e a capacidade inventiva que vimos desenvolver-se durante a pandemia surpreendeu-nos. Tudo se torna mais fluido sob pressão.
Talvez no final de contas essa seja a consequência positiva: que, enquanto seres humanos, dependemos da solidariedade e da criatividade para formar um mundo melhor.
*Wies e Ward Renders-Liekens são belgas e vivem a sua reforma na Grécia há 18 anos.