09 jul, 2020 - 06:40 • Anna Nagy*
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Vejo na imprensa internacional que “Famílias monoparentais sofrem mais com a Covid” e o meu dia-a-dia, de ler cartas de pais solteiros a pedir ajuda, atender chamadas e consolar mães em lágrimas, não me deixa dúvidas de que assim é. É verdade, nós os pais solteiros, fomos atingidos com muita força por este inimigo invisível.
A Hungria reagiu muito rapidamente depois de terem sido detetados os primeiros casos – o estado de emergência foi anunciado ao fim de uma semana e nove dias mais tarde todas as escolas fecharam e começou o ensino à distância. A partir do 12.º dia deixou de ser possível ir ao cinema e fazer ajuntamentos ou festas em clubes. Foi-nos pedido um milhão de vezes por dia para ficar em casa e proteger os nossos idosos, e assim fizemos. As lojas fechavam depois das 15h e foram declarados horários diferentes para pessoas acima e abaixo dos 65 anos – o que torna mais difícil a vida aos que querem disfarçar a idade. Andávamos como cegos, um passo de cada vez, sem saber o que íamos encontrar pela frente. Mas vendo as notícias e lendo as terríveis histórias que chegavam de Itália e Espanha, todas as possíveis objeções caíam por terra e ficámos confinados a estas novas prisões a que antes chamávamos casa.
“Mantenham-se em casa e esperem” foi o aviso que mais recebemos naquele que é o primeiro e único centro de apoio a famílias monoparentais na Hungria, mas acabou por se revelar um conselho impossível de seguir. Logo a partir do primeiro dia fomos inundados de emails e telefonemas a pedir ajuda. Ser pai solteiro já é difícil por definição, é suposto serem dois a criar filhos. Numa situação de emergência, carregar sozinho o peso da família, da casa, do emprego e por vezes de pais idosos acaba por se tornar um pesadelo para muitos. Demasiado peso para um par de ombros. Os pais que tiveram a sorte de poder estar em teletrabalho davam frequentemente por si já depois do horário de saída a ter de preparar as aulas digitais de matemática dos miúdos até às 3h, deixando pouco tempo para dormir. Os que perderam os empregos tinham de enfrentar a incerteza do dia seguinte – ser o único a meter comida na mesa significa que não há mais ninguém para fazer a ponte numa situação destas.
Ambos os grupos, empregados e desempregados, tinham uma coisa em comum: a sua resistência mental era menor e o isolamento atingiu-os com uma força jamais sentida. Deram por si sozinhos, isolados e muitas vezes sem esperança.
“Mantenham-se em casa e esperem” não era uma opção para uma organização que trabalha há anos com, e para, famílias monoparentais. Tivemos pouco tempo para planear e por isso parecíamos um carro de corrida a quem mudam os pneus em andamento. Aprendemos muito rapidamente que a maioria dos nossos serviços funcionavam bem online – não todos os mais de 70 serviços que fornecemos desde que abrimos há dois anos, mas ainda assim muitos. Continuámos a prestar apoio jurídico, aconselhamento psicológico, colocação profissional, formação e ajuda na procura de empregos como fazíamos antes da pandemia e mesmo os nossos professores reformados aprenderam no espaço de 24 horas a dar explicações a alunos online. A pressão e a criatividade podem ser boas companheiras. Lançámos novos serviços para aliviar o stress, fosse reuniões de grupo, conversas individuais ou aulas de yoga.
Para muitas famílias, aliviar stress significa saber que vão poder pôr comida na mesa no dia seguinte. Ao longo dos três meses que durou o estado de emergência fornecemos mais de seis toneladas de comida para famílias necessitadas. Entregámos computadores portáteis a perto de 100 famílias para que os filhos – mais de 250 no total – pudessem ter aulas online. Há mais de 300 mil famílias monoparentais na Hungria, um país semelhante a Portugal em termos demográficos, e nestas vivem mais de meio milhão de crianças. Cada dia trouxe novos desafios neste tempo de quarentena. Tivemos de responder às suas necessidades, fortalecer as velhas comunidades e construir novas.
Mesmo antes de começar a pandemia começámos a organizar o nosso segundo aniversário para o dia 28 de maio. Tínhamos muitos planos, ideias e surpresas que foram todas varridas pelo vírus. Certa noite estava no Facebook e encontrei um post de uma mãe solteira em desespero. Alguém tinha comentado: “O Centro de Pais Solteiros continua a ajudar famílias monoparentais. Não nos largaram a mão, mesmo nesta situação. Sugiro que os procures”. Fiquei sem queixas – era o melhor presente de aniversário que podíamos ter recebido.
*Anna Nagy fundou e dirige o Centro para Pais Solteiros, em Budapeste, onde vive com o seu filho.