15 set, 2020 - 07:00 • Inês Caro de Sousa*
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No princípio do ano, pouco se ouvia falar em Coronavírus. Como aconteceu com a SARS, pensávamos ingenuamente que seria outra doença que não chegaria até nós. Mal sabíamos que dai a algumas semanas seriamos a porta de entrada da Covid-19 para toda a Europa.
Aos primeiros casos foi dada muito pouca importância. Recebemos mensagens de médicos e pediatras a tranquilizarem-nos e a explicar o que era este novo vírus, a garantir que na maior parte dos casos é pouco grave para as crianças, mas que se pudéssemos devíamos ficar em casa para evitar que muitos ficassem doentes ao mesmo tempo.
Claro! Como se fosse possível de um dia para o outro arranjar uma solução para tirar os meus filhos da escola e deixar de aparecer no emprego porque algumas pessoas tinham apanhado uma nova espécie da gripe.
“Itália não é a China. Aqui as coisas estão controladas”.
As primeiras medidas que foram implementadas, ainda voluntariamente, como empresas que passaram a trabalhar em smart-working ou algumas crianças tiradas da escola, foram consideradas extremas e um exagero. O fecho das escolas foi mal recebido, esperava-se que fosse um pequeno prolongamento das ferias de Carnaval, mas o que se sabia do vírus era tão vago, que a primeira solução que encontrámos para este problema foi mandar as crianças para casa dos avós – do grupo de risco.
Os casos começaram a aumentar exponencialmente e os mortos aumentavam. Recebíamos notícias alarmantes de hospitais a chegarem ao limite das suas capacidades. Nos países vizinhos pouco ou nada se passava.
Em pânico, começaram as corridas às estações de comboios, fugas das cidades, esgotamento de máscaras e gel desinfetante e ataques absurdos aos supermercados. Ao fim de uns dias só sobreviviam nas prateleiras as penne lisas. Há limites para a desgraça: nem no apocalipse os italianos comem aquele tipo de massa.
Até que aconteceu o que ninguém achava que fosse possível: foi decretado o “lockdown”. Finalmente realizámos a gravidade da situação: não se iria resolver em 15 dias. No meio do caos veio também a frustração de ver todos os outros países passarem exatamente pelo mesmo. Mesmo acompanhando o que estava a acontecer, transformaram-nos na China, e apesar de todos os avisos a reação foi a mesma…
“Nós não somos Itália. Aqui as coisas estão controladas.”
E assim foi. Cinco meses a gerir uma casa, trabalho e duas crianças de 1 e 4 anos. Foram dias intermináveis passados entre fraldas, zooms, refeições (tantas refeições...) telefonemas e gritaria. Nunca fizemos pão, não fizemos ioga de manhã, nem vimos todas as séries disponíveis na televisão. É uma sorte ainda sermos todos amigos.
Durante o confinamento Itália, famosa pela sua criatividade em contornar as regras, foi excecionalmente responsável. Todos cumpriram à risca as indicações do Governo e dos profissionais de saúde. Houve um record de donativos ao sistema de saúde e histórias fantásticas de apoio a crianças e idosos que por causa do vírus tinham ficado completamente sozinhos. No desconfinamento também foram muito cumpridores. Quem podia continuou em casa e a maior parte das pessoas não foi de férias para o estrangeiro.
Nós fomos a Portugal, visitar a família que não víamos desde o Natal, em julho. Na altura, Itália era um dos países com menos casos diários. Já não era um tema tão falado, os restaurantes e bares tinham voltado a abrir, os parques e esplanadas estavam cheios de gente a aproveitar a primavera milanesa. Contra todos os medos e previsões, os casos não aumentaram.
Depois do mês de agosto, que nos pareceu uma pausa na pandemia, voltou-se à realidade.
Os milaneses continuam cautelosos. Apesar de já não ser obrigatório, usa-se mascara na rua. Nem todos os escritórios voltaram a abrir a porta aos empregados. Quem pode continua a trabalhar em casa.
O regresso às aulas é a principal preocupação. Há muita rigidez, os professores estão vestidos como os médicos, os horários foram reduzidos. Não há certezas quanto às medidas a adotar numa situação de doença (ainda bem que as crianças adoecem pouco no inverno…) ou no caso de haver uma infeção por Covid na escola. Muitos pais decidiram deixar os filhos pequenos em casa este ano.
Os nossos voltaram à escola segunda feira, pela nossa sanidade mental e a deles.
Vamos esperar para ver.
*Inês Caro de Sousa tem 38 anos, é arquiteta e vive em Milão há 12 anos. É casada com Alessandro, de 42, que é italiano e trabalha num banco. Juntos têm dois filhos, de 2 e 5 anos.