Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Milhares de pessoas com problemas mentais vivem acorrentadas em todo o mundo

06 out, 2020 - 06:38 • Lusa

Está a ser preparada o lançamento de uma campanha global (a #BreakTheChains) por ocasião do Dia Mundial da Saúde Mental, que se assinala a 10 de outubro.

A+ / A-

Milhares de pessoas com problemas de saúde mental vivem acorrentadas em muitos países de todo o mundo, um problema conhecido pelas autoridades, mas contra o qual não há medidas internacionais, denuncia a Human Rights Watch (HRW).

Num relatório da organização humanitária alerta para a existência de 60 países da Ásia, África, Europa, Médio Oriente e Américas onde é prática frequente acorrentar homens, mulheres e até crianças, algumas com menos de 10 anos, em espaços confinados, durante semanas, meses ou mesmo anos.

“Embora vários países estejam a prestar mais atenção à questão da saúde mental, a prática do acorrentamento continua fora do radar. Não há dados ou esforços internacionais ou regionais para erradicar o acorrentamento”, critica a HRW.

Por isso, adianta a organização, a HRW está a preparar, em conjunto com especialistas de saúde mental com experiência nesta questão e com organizações de direitos humanos de todo o mundo, o lançamento de uma campanha global (a #BreakTheChains) por ocasião do Dia Mundial da Saúde Mental, que se assinala a 10 de outubro.

“O objetivo é acabar com o acorrentamento de pessoas com problemas de saúde mental”, explica, em comunicado.

“Acorrentar pessoas com problemas de saúde mental é uma prática brutal generalizada que é um segredo de polichinelo em muitas comunidades”, afirma a investigadora de direitos das pessoas com deficiência da Human Rights Watch e autora do relatório, Kriti Sharma.

As pessoas podem passar anos acorrentadas a uma árvore, trancadas numa gaiola ou num barracão para ovelhas, porque as famílias lutam para sobreviver e os governos não fornecem serviços de saúde mental adequados”, refere, acrescentando que muitas famílias têm medo de ser estigmatizadas.

“Muitos são forçados a comer, dormir, urinar e defecar numa área minúscula. Em instituições públicas ou privadas ou em centros de cura tradicionais ou religiosos, são frequentemente forçados a jejuar, tomar medicamentos ou misturas à base de ervas e enfrentam violência física e sexual”, alerta o relatório.

A HRW aponta casos no Afeganistão, Burkina Faso, Camboja, China, Gana, Indonésia, Quénia, Libéria, México, Moçambique, Nigéria, Serra Leoa, Palestina, no autoproclamado Estado independente da Somalilândia, no Sudão do Sul e no Iémen.

Entre as 350 entrevistas feitas em 110 países para a realização do relatório, os investigadores encontraram exemplos de pessoas com deficiência mental e acorrentadas por isso em todas as faixas etárias, etnias, religiões, estratos socioeconómicos e áreas urbanas e rurais.

Não é assim que um ser humano deve viver. Um ser humano deve ser livre”, disse à investigadora da HRW um homem do Quénia que atualmente vive acorrentado.

“O acorrentamento é tipicamente praticado por famílias que acreditam que as condições de saúde mental são resultado de espíritos malignos ou de pecado. Muitas vezes, consultam primeiro curandeiros e só vão aos serviços de saúde mental como último recurso”, explicou Sharma.

“Estou acorrentado há cinco anos. A corrente é tão pesada. Isto não está certo, deixa-me triste. Estou numa pequena sala com sete outros homens. Não tenho permissão para usar roupas, só roupas íntimas. Como uma mistela de manhã e, se tiver sorte, tenho pão à noite, mas nem sempre”, descreveu Paul, um homem com um problema de saúde mental que vive em Kisumu, no Quénia, e é citado no relatório.

Sem acesso adequado a saneamento, sabonete ou mesmo cuidados básicos de saúde, as pessoas acorrentadas correm maior risco de contrair Covid-19, avisa a HRW.

E em países onde a pandemia interrompeu o acesso aos serviços de saúde mental, as pessoas correm maior risco de serem acorrentadas”, acrescenta a organização.

Uma mulher moçambicana relata a sua experiência dizendo que foi levada para um centro de cura tradicional onde lhe cortaram os pulsos para introduzir medicação e depois foi levada para um centro onde um feiticeiro a obrigou a tomar banho com sangue de galinha.

“Os governos têm de agir urgentemente no sentido de proibir os acorrentamentos, reduzir o estigma e desenvolver serviços de saúde mental comunitários de qualidade, acessíveis e baratos”, exige a HRW.

As autoridades, apelou a organização, “devem ordenar imediatamente inspeções e fazer um monitoramento regular de instituições públicas e privadas para tomar as medidas adequadas contra instalações abusivas”.

Em todo o mundo, uma em cada 10 pessoas (cerca de 792 milhões) tem problemas de saúde mental, mas os governos gastam menos de 2% de seus orçamentos para saúde com a saúde mental, conclui o relatório.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+