06 mai, 2020 - 06:30 • *Joana Leite e Ilka Saíde
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Foi a 22 de março que se registou o primeiro caso de Covid-19 em Moçambique. Desde o princípio que o Governo moçambicano se mostrou firme e tomou medidas de prevenção concretas. Começou logo por promulgar um decreto que orientava o distanciamento social, o uso de máscaras, a redução da lotação nas viaturas de transporte público que geralmente circulavam a abarrotar de gente, a quarentena obrigatória para todas as pessoas que tivessem tido contacto com um doente com Covid-19 ou que tivessem viajado para países onde houvesse casos do vírus, entre outras…
Os dois primeiros casos foram importados, e o medo e a incerteza começaram a instalar-se cada vez mais. E quando tivemos o caso número 10, o caso que provocou mais de metade dos infetados através de uma rede de contágio, tornou-se evidente a importância das medidas preventivas.
Na Girl MOVE Academy, organização para a qual trabalhamos, depressa percebemos que seria de extrema importância responder rapidamente às ameaças que o vírus lançava pelos quatro cantos do mundo. Capacitar os nossos colaboradores e as nossas beneficiárias tornou-se fundamental, por isso criámos as condições necessárias para continuar a fazer o que fazemos de melhor, respeitando todas as medidas de prevenção anunciadas pelo Governo. Adaptámos todos os programas às novas circunstâncias e continuámos a dar o apoio necessário no terreno às meninas mais vulneráveis.
Têm sido momentos de reinvenção diária, tanto para as raparigas que continuam a frequentar os nossos programas através de várias plataformas online como para nós mesmas que, cada vez mais, nos aproximamos da humanização digital, fenómeno que, até há bem pouco tempo, não era do interesse das raparigas a quem servimos.
À data que vos escrevemos, início do mês de maio, temos ainda pela frente quase 30 dias de Estado de Emergência, entretanto renovado, e contabilizamos oficialmente um total de 80 casos positivos de Covid-19, sem nenhuma morte confirmada. Falta perceber a justificação para este número, que em comparação com o panorama mundial, é baixo. Discutem-se diversas razões. Por um lado, se este baixo número de casos confirmados se deve ao reduzido número de testes realizados, face à dimensão da população. Pondera-se ainda se a grande vaga ainda não estará para chegar… Depois, apontam-se também outras circunstâncias como a idade jovem da população, o tempo quente que poderá abrandar a propagação do vírus, ou mesmo se alguma medicação específica utilizada no combate a determinadas doenças tropicais, e outras, pode reforçar os organismos da população na luta contra este vírus.
A verdade é que tanto em Nampula como em Maputo, o movimento nas ruas nunca parou. A maior parte da população vive num modelo de economia de subsistência, o que é incompatível com o confinamento social – isto seria, como já foi amplamente noticiado, condenar milhares à fome. É por isso que as medidas têm sido tantas vezes revistas e reajustadas.
Quase todos os estabelecimentos permanecem abertos, observando-se apenas limite à lotação. À entrada de qualquer sítio sabemos da rotina da lavagem das mãos, e em alguns sítios já se controla a temperatura corporal. São as distâncias sociais reclamadas e os sorrisos expressivos que dão agora lugar a máscaras de capulana, que mais denunciam o cumprimento das normas no combate a esta nova realidade.
Apesar do clima de medo e preocupação constante, a pandemia revelou muitas outras coisas boas, como é o caso das máscaras doadas por alfaiates locais; um crescente e dinâmico movimento de inventores que com o seu natural espírito resiliente moçambicano tentam dar uma resposta ao desafio e criam coisas como túneis de desinfeção e viseiras.
A verdade é que com o desafio do vírus, o país treme mas não para!
*Joana Leite, portuguesa, e Ilka Saíde, moçambicana, trabalham para a organização Girl MOVE Academy, que trabalha em prole da capacitação e educação de raparigas naquele país. A Joana vive em Nampula e Ilka em Maputo.