14 jul, 2020 - 07:00 • Mary Lyn Fonua*
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Vivemos numa das regiões mais longínquas do mundo, pequenas ilhas rodeadas pelo vasto Oceano Pacífico.
Aqui no Reino da ilha do Tonga continuamos livres de casos de infeção de Covid-19, somos um de apenas uma dezena cheia de países sem casos reportados. A maioria dos países sem Covid estão na nossa região.
O Tonga não quer nada com o Covid. Muitos aqui (incluindo a nossa Câmara do Comércio, não obstante o défice) concordam que o custo de fechar as fronteiras é melhor do que a dor de perda que poderíamos ter de suportar se o vírus chegasse à nossa costa.
O nosso país fechou as fronteiras cedo, desviando cruzeiros e iates a partir do dia 12 de fevereiro e, depois, aplicando toda uma gama de regulamentos de saúde com períodos de confinamento e de distanciamento social. Desde o dia 21 de março que não recebemos passageiros pelo ar, deixando desterrados muitos cidadãos do Tonga que se encontravam no estrangeiro, incluindo a rainha e muitos governantes, dividindo famílias sem exceção. O Rei Tupou VI celebrou este mês o seu 61.º aniversário sem a sua família imediata, que está no estrangeiro, e sem as habituais cerimónias e festividades.
A verdade é que o Tonga não tem muitos cidadãos nas faixas etárias mais vulneráveis a este novo coronavírus. Mas isso é porque a esperança de vida é encurtada por doenças não contagiosas entre os mais novos – como diabetes, problemas cardíacos e obesidade. O magnífico físico polinésio que podem ver em ação nos campos de rugby em todo o mundo, e exibido pelo nosso brilhante porta-bandeira nos Jogos Olímpicos, Pita Taufatofua, infelizmente não se reflete na maioria da população. Estas doenças decorrentes do estilo de vida tornam a comunidade especialmente vulnerável aos piores efeitos da Covid-19.
Continuam a chegar cargueiros com mantimentos de Auckland, na Nova Zelândia, todas as semanas. Podemos sair do país se assim entendermos, mas não podemos voltar. Por isso posso dizer que por enquanto estamos bem, mas não vou a lado nenhum.
Sem a chegada de turistas a nossa indústria de turismo, já por si frágil, está a sufocar. No início os operadores estavam otimistas em relação a uma recuperação, porque o Tonga tem tanto para oferecer, com o seu clima subtropical, águas límpidas e mornas, povo simpático e vibrante cultura tradicional. Mas esse otimismo acabou na terrível noite de 8 de abril, quando ondas gigantes geradas pelo ciclone tropical Harold destruíram as estâncias turísticas ao longo da costa poente de Tongatapu. E isto em cima dos danos desastrosos que já tinham sido provocados pelo ciclone de categoria 5 Gita, em 2018.
Tememos a chegada deste novo vírus às nossas ilhas tanto como os ciclones tropicais, que se tornam cada vez mais frequentes. Há um século o Tonga foi devastado pela Gripe Espanhola. Introduzida pela tripulação infetada de um navio comercial, a doença devastou as comunidades das ilhas, matando entre 4 e 8% da população da altura. A história diz-nos que em algumas das pequenas ilhas não restou ninguém para sepultar os mortos.
O Ministério da Saúde do Tonga oferece um serviço de saúde gratuito, mas com apenas 71 médicos para uma população de 108 mil pessoas, espalhadas por grupos de ilhas distantes, os hospitais locais não podem suportar o tipo de cuidados intensivos ou apoio médico sofisticado de países mais desenvolvidos.
No início de março tivemos um caso suspeito de uma mulher que chegou de Sidney, na Austrália, mas acabou por ser negativo. Foram enviadas amostras para a Austrália e Nova Zelândia, para testar – um processo moroso e caro. Para o Tonga foi um sinal de alarme e seguiu-se rapidamente o encerramento das fronteiras e normas sanitárias de emergência.
Ao longo dos passados três meses, com a assistência da OMS e de donativos de outros países, o Tonga conseguiu preparar-se melhor, recebendo já três máquinas de testes, alguns milhares de kits, um pequeno laboratório e equipamento de proteção pessoal. A escola de enfermagem está a treinar profissionais de saúde para lidar com a Covid.
No início desta semana realizou-se o primeiro voo de repatriamento que trouxe 58 cidadãos do Tonga do Fiji, um país de baixo-risco, incluindo médicos e enfermeiras do Tonga que estavam a estudar no estrangeiro. Os testes foram todos negativos e agora farão uma quarentena de duas semanas num hotel caro. Mas o Governo não tem dinheiro para testar e pagar a quarentena dos outros 7.000 cidadãos que se encontram no estrangeiro. Muitas são as famílias que continuarão separadas.
Antes da Covid surgir no horizonte o Tonga já tinha muitas outras ameaças com que lidar, sendo um dos países mais expostos às alterações climáticas e desastres naturais. Em 2018 foi o país que mais sofreu com desastres naturais em todo o mundo (em relação ao PIB). As alterações climáticas vão tornar a situação ainda pior durante a nossa vida. Com as camadas de gelo e os glaciares a derreter, o aumento do nível do mar vai roubar-nos ainda mais da nossa costa; espera-se que grandes partes da nossa capital de Nuku’alofa fiquem abaixo do nível do mar dentro de meio século. Os atóis mais pequenos já estão a ser levados pelas águas e as nossas águas potáveis subterrâneas estão a ficar contaminadas com água salgada.
Enfrentamos ameaças existenciais em todas as frentes. Mas goste-se ou não, esteja-se onde estivermos, estamos todos no mesmo barco.
Por agora o que vos posso dizer é que o sol está a brilhar no Pacífico do Sul. À luz laranja da aurora vejo pescadores a lançar as redes para apanhar os peixes prateados que saltam das lagoas calmas. Às vezes vamos ao mercado do peixe comprar um Luciano vermelho e temos sempre muitos legumes frescos dos jardins férteis. O confinamento entre a meia-noite e as 5h reduziram os níveis de crime e os acidentes rodoviários. Aconteça o que acontecer, os tonganeses continuam a cantar hinos, a tocar sinos aos domingos, a partilhar comida e risos e a mostrar a sua força ao seu estilo tradicional e despreocupado.
*Mary Lyn Fonua, é diretora do Matangi Tonga Online, o principal portal de notícias do Tonga, situado em Nuku’alofa, onde fundou, com o seu marido Pesi Fonua, a Vava’u Press Ltd, uma empresa independente de comunicação social, há 40 anos.