25 ago, 2020 - 06:38 • Alisher Abdullaev*
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Tal como noutros países do mundo, no Uzbequistão observámos com interesse os desenvolvimentos na China. Em janeiro e inícios de fevereiro, ninguém no nosso país poderia ter imaginado que a pandemia afetaria tão gravemente o povo uzbeque. As pessoas partiram do princípio de que esta pandemia, como as do passado, nos passaria ao lado. A ansiedade começou a aumentar quando surgiram relatos de mortes em massa em Itália e noutros países, até que houve o relato do primeiro caso confirmado de Covid-19 no nosso país. As nossas autoridades merecem, contudo, elogios pela forma rápida como tomaram medidas para evitar a pandemia.
Desde meados de março que fechámos as ligações rodoviárias e aéreas com outros países, depois até os voos internos foram suspensos. Uma semana mais tarde as escolas, desde a primária até às universidades, foram fechadas e as atividades sociais e empresariais foram suspensas. Foi decretada a proibição total de viajar, por qualquer meio. Todos os eventos em massa foram cancelados e pela primeira vez desde que que sou adulto, o Uzbequistão cancelou o antigo feriado nacional de Navruz. Não era costume ver as ruas tão vazias. Havia postos de controlo da polícia e da guarda nacional em todo o lado.
Foi bastante assustador, nunca tinha visto nada assim, a sensação era a de que estávamos em guerra. Mas esta era uma guerra contra um inimigo invisível – o vírus, e as pessoas perceberam.
Eu e os meus colegas do Centro de Pesquisa fomos todos instalados num hotel no centro da cidade, longe das nossas famílias. Num contexto de pandemia, nós os cientistas queríamos contribuir da melhor forma para a luta contra o coronavírus. Nos últimos anos o Estado tem investido no desenvolvimento da ciência e voltou a ser prestigiante ser cientista. Nós queríamos justificar esta confiança que tinham depositado em nós.
Vendo que havia uma escassez de testes de diagnóstico para o novo coronavírus, que tinham de ser importados, participámos ativamente no desenvolvimento do nosso próprio sistema de testes, mais baratos. Estávamos a trabalhar 18 a 20 horas por dia, mas em dois meses conseguimos desenvolver o teste, fazer os ensaios clínicos, registá-lo e montar a produção em massa. Hoje os nossos testes SARS-CoV-2 RT-PCR estão a ser usados em larga escala na república.
A minha família não foi poupada pela pandemia. Todos tivemos Covid-19, embora de forma leve, felizmente, exceto o meu pai que tem 90 anos. Tivemos de lutar pela sua vida e uma vez que a minha mulher é médica conseguimos organizar o melhor tratamento possível. Agora ele está quase recuperado. Infelizmente muitos dos meus amigos perderam alguém para o coronavírus, foi bastante assustador.
O país passou por momentos difíceis. Houve escassez de alguns medicamentos e tornou-se impossível chamar ambulâncias e internar os doentes. Felizmente, porém, o país conseguiu organizar as atividades necessárias. Nunca houve falta de informação, com os media oficiais e privados, bem como os canais de redes sociais constantemente a manter-nos informados sobre todos os eventos e atividades. As pessoas comuns também se organizaram em grupos de voluntários e forneceram toda a assistência possível. A minha mulher, por exemplo, que é cardiologista, fez consultas grátis online e por telefone e abriu um canal na rede social Telegram, onde coloca informação útil, para ajudar os doentes. Continua, para além disso, a tratar doentes no hospital.
A partir do dia 15 de agosto as medidas de confinamento foram relaxadas. Os voos domésticos foram relançados, os transportes públicos retomados e as empresas voltaram a funcionar. Claro que é demasiado cedo para se falar em vitória, e estamos todos mentalmente preparados para uma segunda vaga, mas quero esperar que tudo vai correr bem.
Parece-me que este será um ano de que não nos vamos esquecer tão depressa.
*Alisher Abdullaev é vice-diretor do laboratório de Biotecnologia no Centro de Tecnologia Avançada do Ministério do Desenvolvimento e Inovação do Uzbequistão. Vive na capital com a sua mulher e filho pequeno, e tem outros dois filhos que estudam no estrangeiro.