26 out, 2020 - 16:33 • Lusa
O QAnon, um movimento que junta várias teorias da conspiração e que surgiu nos Estados Unidos em 2017, já ganhou uma versão brasileira que se espalha com velocidade entre apoiantes do Governo do Presidente Jair Bolsonaro.
O movimento nasceu na extrema-direita norte-americana em fóruns na internet, onde um anónimo (QAnon) passou a fazer publicações com informações falsas em que alegava ter informações secretas de agências de segurança sobre um grupo liderado por uma elite corrupta formada por pedófilos satanistas que sequestravam e sacrificavam crianças.
No Brasil, o QAnon adaptou a narrativa conspiratória local e os seus disseminadores, que dizem defender valores cristãos e conservadores, usam as redes sociais para espalhar mentiras contra pessoas que fazem críticas ao atual Governo liderado por Jair Bolsonaro.
David Magalhães, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)e membro do Observatório da Extrema Direita, disse à Lusa que elementos de teorias da conspiração presentes no movimento QAnon nos Estados Unidos começaram a ser introduzidos no Brasil por Olavo de Carvalho, um influenciador que inspira setores do Governo Bolsonaro, conhecido por atacar ideias progressistas e partidos de esquerda.
Segundo o especialista, já no início dos anos 2000 começou a circular no Brasil a tese do globalismo, ou seja, uma teoria conspiratória de que existe um conjunto de instituições internacionais, fundações, grandes fortunas, que se articulam com as elites locais para construir um governo totalitário que pretende controlar o mundo.
“Isto começou a circular no final dos anos 1990 nos Estados Unidos em um grupo muito específico do Partido Republicano, foi trazido para o Brasil pelo Olavo de Carvalho, que começou a fazer uma pregação virtual destas ideias”, disse Magalhães.
“Essas ideias sobre uma elite internacional, sobre um governo mundial que seria uma espécie de ditadura global voltada para destruir soberanias e diluir identidades religiosas e conservadoras já está circulando com Olavo de Carvalho na direita brasileira há algum tempo”, acrescentou.
Odilon Caldeira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do Observatório da Extrema-direita, avaliou que o facto de o próprio Presidente brasileiro e seu Governo terem uma vinculação muito forte com tendências diversificadas da direita norte-americana, incluindo discursos da alt-right (extrema-direita dos Estados Unidos), ajuda a impulsionar os discursos conspiracionistas no país.
“No Brasil existe um processo da reprodução desta tática, a partir do Governo Bolsonaro porque a medida que este discurso mais radical é articulado, é introjetado, ele acaba suscitando uma vinculação mais particular dos indivíduos com a liderança política”, pontuou.
“O discurso conspiracionista auxilia a projetar uma relação dos líderes com as pessoas que acreditam neles, que ultrapassa a arena política. Eles veem nestes líderes mais do que uma representação política no sistema, mas [veem estes políticos] numa dimensão quase religiosa, numa dimensão quase messiânica”, acrescentou.
O professor da Universidade Federal de Juiz de Fora pontuou que líderes políticos com influência em grupos de extrema-direita como Bolsonaro usam teorias da conspiração como um elemento de formação e intensificação de apoio político para produzir uma adesão mais fiel.
“Não é de se espantar que o QAnon teve um sucesso em certo sentido no campo da extrema-direita norte-americana. Esse sucesso ajudou a mobilizar muitos militantes e também não é surpresa que setores afeitos ao ‘bolsonarismo’, ao campo ‘bolsonarista’, vão utilizar estes discursos”, pontuou.
Magalhaes, da PUC-SP, lembrou que o Governo Bolsonaro não é homogéneo, ou seja, é formado por diferentes segmentos sendo alguns deles publicamente comandado por adeptos de teorias da conspiração.
“A política externa brasileira é controlada por dois ‘olavistas’ [pessoas que defendem ideias de Olavo de Carvalho] o Felipe Martins [assessor de política internacional do Governo] e o Ernesto Araújo [ministro das Relações Exteriores] e até mesmo o próprio Eduardo Bolsonaro [filho do Presidente] que é um grande admirador de Olavo de Carvalho”, frisou.
“Se pegarmos noutros núcleos do Governo como o dos generais, sabemos que eles não acreditam em nada destas teorias conspiratórias. Ou o núcleo do [ministro Paulo] Guedes que em certa medida é neoliberal cosmopolita também não acredita nisto”, acrescentou.
Assim, Magalhães concluiu destacando que as teorias da conspiração ligadas ao QAnon no Brasil encontram terrno fértil e apoio entre pessoas ligadas ao núcleo da política externa, em lideranças evangélicas que defendem pautas anti-aborto e navegam em conspirações sobre pedofilia e setores radicalizados da militância ‘bolsonarista’.