17 dez, 2020 - 07:40 • Marta Grosso
O policiamento abusivo e a excessiva dependência da aplicação da lei para implementar medidas de resposta à Covid-19 estão a violar os direitos humanos em todo o mundo e, em alguns casos, pioraram a crise de saúde pública, aponta a Amnistia Internacional.
“Embora o papel da aplicação da lei neste momento seja vital para proteger a saúde e a vida das pessoas, a dependência excessiva de medidas coercivas para fazer cumprir as restrições de saúde pública está a piorar a situação. O profundo impacto da pandemia na vida das pessoas aumenta a necessidade de o policiamento ser realizado com total respeito pelos direitos humanos”, sublinha a organização num texto publicado na internet na quarta-feira, a propósito do último relatório.
Intitulado "Covid-19 Crackdowns: Police Abuse and the Global Pandemic” (“Repressões Covid-19: Abusos policiais e a pandemia global”, numa tradução livre), o relatório aponta 60 países onde as autoridades cometeram abusos em nome do combate ao novo coronavírus – o que inclui a morte de pessoas ou pessoas gravemente feridas por alegadamente violarem as restrições ou protestarem contra as condições de detenção.
“As forças de segurança em todo o mundo estão a violar amplamente o direito internacional durante a pandemia, usando força excessiva e desnecessária para implementar bloqueios e toques de recolher”, indica Patrick Wilcken, vice-diretor do Programa de Questões Globais da Amnistia Internacional.
“Os horríveis abusos cometidos sob o pretexto de lutar contra a Covid-19 incluem casos como a polícia angolana balear no rosto um adolescente por supostamente violar o recolher obrigatório e a polícia de El Salvador disparar para as pernas de um homem que saiu para comprar comida”, aponta.
Mas há mais exemplos. No Irão, foi usado gás lacrimogéneo para conter os protestos contra falta de condições sanitárias na prisão e, no Quénia, só nos primeiros cinco dias de recolher obrigatório foram mortas, pelo menos, sete pessoas e 16 foram hospitalizadas em resultado de operações policiais.
“Muitos governos foram muito além das restrições razoáveis e justificadas”, critica a Amnistia Internacional.
“Longe de conter o vírus, as decisões de prender, deter, usar a força e dispersar à força as concentrações de pessoas têm aumentado o risco de contágio – tanto para as autoridades encarregues da aplicação da lei como para os que são alvo das ações policiais”, avisa.
Como crise de saúde pública, a pandemia de Covid-19 deve ser tratada com medidas sanitárias apropriadas, onde a aplicação da lei cumpre um papel legítimo e necessário, mas sempre ao serviço da proteção da população, defende a organização.
A pandemia não isenta as autoridades “de cuidadosamente equilibrarem os interesses em jogo e o uso dos seus poderes, de maneira a sua obrigação de respeito pelos direitos humanos”, sublinha.
Nos casos em que tal não acontece, “os Estados devem conduzir investigações imediatas, completas, eficazes e independentes e garantir que todos os responsáveis sejam responsabilizados em julgamentos justos”.
“É essencial que as autoridades em todo o mundo priorizem as melhores práticas de saúde pública em vez de abordagens coercitivas que foram consideradas contraproducentes”, afirma Anja Bienert, chefe do Programa de Polícia e Direitos Humanos da Anistia Internacional da Holanda.