29 dez, 2020 - 06:29 • Paul Grech*
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Os primeiros dias da pandemia em Malta desenrolaram-se basicamente como no resto do mundo. Depois de um período de crença generalizada de que tal como outras doenças empoladas do passado também esta acabaria por se evaporar, o anúncio do primeiro caso em Malta levou a uma previsível invasão aos supermercados. As habituais fotografias das prateleiras vazias e de pessoas a encher os seus carrinhos de compras com papel higiénico fizeram as voltas nas redes sociais durante um par de dias, até que as pessoas entraram em confinamento nas suas casas, na esperança de que tudo isto acabasse por passar depressa.
Graças a Deus não foi necessário aplicar o confinamento total que vimos noutros lugares. As pessoas obedeceram às instruções que receberam – de uma forma até surpreendente, tendo em conta a nossa atitude mediterrânica relaxada – e o número de infetados permaneceu bastante baixo. De tal modo que naquelas semanas iniciais a abordagem das autoridades locais foi apresentada pela OMS como um exemplo de como manter as coisas sob controlo.
Tal como aconteceu noutros países, a Covid também transformou as autoridades sanitárias em estrelas inesperadas. Os briefings diários de Charmaine Gauci tornaram-se campeões de audiências e as suas respostas calmas e firmes asseguraram toda a nação de que as pessoas encarregues da situação sabiam o que era preciso fazer.
Do ponto de vista pessoal, tenho a sorte de trabalhar numa empresa tecnológica. Uma semana antes do resto do país entrar em pânico sobre como adotar o teletrabalho, nós já tínhamos o esquema todo montado e estávamos a habituarmo-nos ao Microsoft Teams. Devo admitir que foi bastante reconfortante saber que pelo menos uma das preocupações estava resolvida.
Em retrospetiva é estranho como me ajustei tão depressa a fazer online tudo o que até então tinha feito cara-a-cara. Se me tivessem pedido uns meses antes para conduzir uma reunião online, teria hesitado e arranjado maneira de não o fazer, tal era o desconforto que a ideia me causava. Mas depois de uma semana nesta nova realidade já parecia que tinha feito isto a vida toda, é mais um sinal do quão adaptáveis nós somos.
Bom, mas há exceções. As escolas fecharam bastante cedo e a maior parte do ensino passou a ser online. Alguns professores mostraram-se excelentes nisso, outros nem tanto. Enquanto pai de três crianças, cada um a frequentar uma escola diferente, eu pude experimentar uma variedade de abordagens. Estavam todos a fazer o melhor que sabiam, em circunstâncias difíceis, mas nem todos conseguiram.
Pelo menos ainda podíamos ir dar passeios no campo. Com a maioria das outras atividades fechadas, este tornou-se o passatempo favorito para muitos. Se há alguma coisa de positivo a retirar de toda esta situação, espero que inclua uma maior apreciação da natureza.
Chegados a junho a situação já estava bastante calma. A primeira vaga tinha sido ultrapassada e o número de casos novos estabilizou. O facto de sermos uma ilha ajudou, pois bastou-nos limitar as entradas e as possibilidades de transmissão local para que o assunto ficasse resolvido.
Mas uma vez que 20% do PIB de Malta depende do turismo, essa nunca iria ser uma opção de longo prazo. Eventualmente demos por nós a debater a importância da economia versus saúde e compreendeu-se a necessidade da retoma económica. As pessoas foram encorajadas a ir aos restaurantes (o Governo emitiu vales de €100 por pessoa para esse efeito) e os aeroportos reabriram.
O verão foi basicamente normal (ou “novo normal”, como nos dizem constantemente). As pessoas saíam, iam nadar e encontravam-se para churrascos. Nalgumas coisas notaram-se as diferenças, nomeadamente o cancelamento, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, das festas locais, que são muito populares e importantes. Mas de forma geral pudemos aproveitar o verão.
E para muita gente parecia que tudo já tinha passado. Mas claro que não. O desconfinamento começou a fazer-se sentir alguns meses mais tarde, quando os casos começaram a aumentar de novo. À medida que o verão acabou começaram as críticas de que se tinha feito um sacrifício demasiado grande em nome da economia. Enquanto que na primeira vaga os números tinham sido baixos – normalmente menos de 10 por dia – agora estávamos a assistir a dezenas de novos casos de infeção.
Mais uma vez a realidade começou a atingir-nos. Algumas medidas foram reintroduzidas – mas, mais uma vez, nada que se compare ao resto da Europa – e lentamente o número de infeções começou a descer até valores mais aceitáveis. Infelizmente o mesmo não aconteceu com os óbitos e aqui os números têm sido bastante duros, sobretudo entre os idosos.
E é neste estado que nos preparamos para entrar em 2021. Graças ao facto de pertencermos à União Europeia, e de sermos um país pequeno, a situação deve melhorar bastante logo que a vacina esteja disponível. A minha esperança é de que recuperemos um verdadeiro sentido de normalidade em abril ou maio do próximo ano.
Dito isso, a verdade é que nunca voltaremos ao que era antes. Tendo experimentado o que é trabalhar de casa – sobretudo a oportunidade de passar mais tempo com os meus filhos e poder testemunhar momentos que antes me eram negados, como o simples prazer de estar lá para os receber quando chegam da escola – podem ter a certeza de que não voltarei a trabalhar a tempo inteiro no escritório.
Existe uma necessidade forte de estar fisicamente com as pessoas e tenho imensas saudades dos meus colegas. Mas o ideal parece-me uma divisão entre o trabalho no escritório e em casa.
Talvez isso seja uma reflexão da forma como escolhi ver as coisas. Perdemos tanta coisa em 2020, mas também ganhámos uma nova apreciação pelas pequenas alegrias da vida. Quero que isto passe e tenho confiança de que assim será. Mas também vou valorizar todas as lições que a pandemia nos deu.
*Paul Grech trabalha numa empresa de tecnologias de informação em La Valetta, capital de Malta. Casado e pai de família, dirige a revista literária Pagna Mmarkata, mas é também um apaixonado por futebol, gerindo o site "Cultured Football", onde faz recensões de livros sobre futebol e entrevista autores.