31 dez, 2020 - 07:00 • Heather Neill*
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2020. Durante anos esta data causará suores frios a quem recorda a tortura, frustração, ansiedade e temor que sentimos pela saúde dos nossos entes queridos. Parece que este ano serviu para sublinhar alguns aspetos muito feios do nosso mundo, algo que espero que conduza a mudanças – há males que vêm por bem, não é verdade? 2020 permitiu-nos reconhecer as nossas forças, quais as relações verdadeiras e significativas e o que é realmente importante.
Acabei de rever as palavras que escrevi acima e depois desviei o olhar do meu portátil para um cenário de praia e palmeiras e senti alguma vergonha do meu pessimismo.
Mudei-me para o Vietname em agosto de 2019 e desde então sinto-me uma das pessoas mais sortudas do mundo por ter podido passar aqui o inferno que tem sido a Covid-19. Desde o início da pandemia até agora o país esteve confinado um total de três semanas. Repito, três semanas. Desde abril que a vida tem sido relativamente normal por aqui. Sim, usamos máscaras e lavamos as mãos com mais frequência, mas não tive ainda aquela sensação de ter medo de estar perto de outra pessoa. O Vietname travou completamente a entrada de pessoas nas suas fronteiras e quem chegava tinha de cumprir duas semanas de quarentena numa instituição aprovada pelo Governo. Com essas medidas tivemos menos de 100 casos de transmissão comunitária desde abril. Estou muito orgulhosa e agradecida pela forma como o Governo lidou com a situação e só queria que o meu país natal, a Escócia, fizesse o mesmo.
Desisti de ver as notícias. É simplesmente demasiado difícil tentar compreender as políticas dos países ocidentais que sabemos que vão colocar as pessoas em perigo. Do ponto de vista da relativa segurança de um país em que tudo correu bem, somos obrigados a pensar porque é que o sucesso do Vietname está a ser ignorado, enquanto noutros locais o número de mortos continua a aumentar a um ritmo alarmante, sem qualquer plano para limitar a destruição causada pelo vírus.
Sei que este é um ano que vai ficar para a história; o ano em que o mundo mudou para sempre, o ano em que as nossas vidas como as conhecíamos acabaram. Posso dizer que fiz parte dessa história? Talvez não. Fui poupada à maior parte da frustração de estar confinada, de não poder fazer as coisas de que gosto; de ter medo de morrer.
Eu e os meus amigos daqui falamos às vezes da sensação de estarmos “confinados” à nossa maneira – estamos confinados ao Vietname. Temos empregos, mas não os podemos deixar. Se o fizéssemos, seria para sempre. Mas as pessoas de quem gostamos não estão cá connosco e não há fim à vista para esta situação. Este ter medo pelas outras pessoas é uma dor diferente daquela a que estamos habituados, sentir compaixão pela frustração que outros sentem, enquanto nós estamos protegidos. Acho que nos deixa de certa forma adormecidos: nunca vamos sentir aquilo pelo que estão a passar os nossos amigos e familiares; só podemos esperar nesta espécie de… Inércia.
Não partilho com os meus amigos e família a vida que levo aqui, não lhes quero causar frustração por comparação. Aprendi a ouvir e a mostrar sempre, sempre, mais preocupação pelos outros do que espero receber.
Por isso daqui deste casulo que é o Vietname em dezembro de 2020, vou aguardando com toda a esperança no meu coração que possamos unir-nos e combater o bom combate, aprender as lições e avançar com um novo sentido de apreço.
*Heather Neill é professora de Literatura Inglesa e de Psicologia. Atualmente é coordenadora do diploma de IB no Colégio Internacional de Hanói. Vive na Ásia há 10 anos, tendo trabalhado anteriormente em escolas em Bangkok e Tóquio.