17 jan, 2021 - 08:09 • Sandra Afonso
Num mundo saturado de informação, o que determina o sucesso de um produto, uma marca ou um político? Donald Trump não é naturalmente popular, reuniu as ferramentas certas para chegar ao eleitorado que o elegeu. Nem todos os campeões de vendas chegam lá à primeira, alguns passam pelo anonimato e outros nunca de lá saem. Mesmo os que vendem muito podem não chegar a assim tantas pessoas e qualidade não garante sucesso.
O que procura o público? Derek Thompson desconstrói o mercado no livro “Hit Makers – A Ciência da Popularidade na Era da Distração” (Ed Actual), onde reúne a investigação às tendências de consumo e à psicologia por detrás das decisões, agora cada vez mais influenciada pela matemática das redes e ameaçada pelas notícias falsas.
Derek Thompson, editor da revista “The Atlantic”, onde escreve sobre economia e meios de comunicação social, analisa alguns dos sucessos que marcaram a História, desde a arte impressionista às túnicas no século XIII, passando pelo iPhone ou “A Guerra dos Tronos”. Em entrevista à Renascença, dá alguns exemplos de produtos que conquistaram as massas e explica como ser um campeão de vendas.
No mercado global que hoje temos, qual é o segredo do sucesso? Como é que alguns produtos e marcas conseguem ser campeões de vendas?
É importante começar pela psicologia humana. Sempre que alguém escolhe ver determinado programa, ler um livro, ouvir uma música ou comprar alguma coisa, está essencialmente a decidir entre duas forças concorrentes: uma é o que chamo de neofilia, o desejo de descobrir novidades, as pessoas têm prazer em descobrir programas de televisão, livros e ideias novas; ao mesmo tempo, nesta busca surge um medo por tudo o que seja novo demais - a neofobia.
Quando juntamos estas duas forças, a maioria gosta das surpresas familiares, mas não em demasia: surpreendentes, mas não em excesso. Desenhar produtos e ideias que as pessoas adorem e queiram comprar e usar, é desenhar para esse cruzamento, entre familiaridade e surpresa.
Mas não acredita em sucesso instantâneo, há muito trabalho por trás.
Sim, acho muito importante esta discussão que temos tido sobre conteúdo versus distribuição. Um filme é um sucesso de bilheteira porque é uma maravilha ou por causa do marketing e da publicidade a que é sujeito? Acho que as duas coisas são importantes, conteúdo e distribuição, mas gasto, pelo menos, metade do livro a falar da distribuição, porque acredito que é frequentemente desvalorizada pelos produtores.
Há muitas pessoas que, por exemplo, escrevem uma música e porque acham que fica no ouvido e é muito boa vai tornar-se viral, sem qualquer esforço de marketing. O que sabemos, através de investigação e pelo que a história nos diz, é que isso não é verdade.
Marketing e distribuição determinam com frequência o que se torna popular ou não. Se estamos a avaliar o que é popular, temos que prestar atenção às pessoas que controlam a distribuição e o marketing.
O passa palavra e o boca a boca ainda são relevantes? Ou é tudo uma questão de marketing?
Não é tudo marketing. Também precisamos de surpresas familiares e distribuição inteligente. No livro dou vários exemplos em que os dois são necessários, como nos anos 50, no início da fase do rock and roll, havia uma música, o "Rock Around The Clock", que acabou por ser a mais popular da década e uma das mais vendidas na história musical da América.
No entanto, quando "Rock Around The Clock" surgiu, em 1954, foi um enorme fracasso, estava no lado B de um típico álbum de vinil e ninguém ouvia. Só se tornou um êxito quando surgiu num filme de 1955, "Blackboard Jungle", foi a primeira música de rock and roll a atingir o topo de vendas e penso que é a segunda música mais vendida de sempre.
A música era exatamente a mesma, quando foi um fracasso e quando passou a ser um sucesso, um ano depois. O que mudou foi a distribuição, o meio de marketing. A distribuição explica, assim, a popularidade da música.
Isto também explica por que a qualidade não é garantia de popularidade? Muitos projetos com qualidade não chegam ao conhecimento do público.
A popularidade é um conceito estranho na cultura. Se somos populares no secundário, isso significa que a maioria gosta de nós ou sabe quem somos. Se somos populares, como políticos, é porque milhares de pessoas votaram em nós, em detrimento de outro candidato.
Na cultura, porque há tanta competição por atenção, o que se torna um sucesso de vendas não é necessariamente popular.
Um filme que, num ano típico sem pandemia, chega aos mais vistos do ano nos Estados Unidos, como o "Star Wars", não é visto pela larga maioria da população. Ainda nos EUA, os livros no Top de vendas vendem, talvez, um milhão de cópias por ano. São muitos exemplares, mas o país tem mais de 300 milhões de habitantes, o que significa que os livros mais vendidos não são comprados por 99% da população.
Penso que a popularidade tem que ser analisada como fractal, um político popular nos Estados Unidos tem de garantir dezenas de milhares de votos, mas para um livro ser um sucesso de vendas, um site ou um produto serem populares não tem de se aproximar destes números, nem precisa de convencer a maioria dos americanos. A popularidade também tem de ser vista nesta perspetiva, matemática.
Fala da popularidade na política. Como explica o sucesso de Donald Trump?
É uma pergunta difícil (risos). Disse que produtos populares tendem a combinar o familiar com o surpreendente. Como é que isso faz sentido no caso de Donald Trump? Ele era uma celebridade internacional quando concorreu à presidência, aí já tínhamos o aspeto familiar. Mas era também uma figura que chocava, todos os dias fazia alguma coisa que fazia com que todos no país lhe prestassem atenção, havia uma percepção constante de choque e surpresa.
Penso que a conjugação entre a familiaridade e o choque fez dele uma figura impossível de contornar, apelativo aos media.
Em termos de popularidade efetiva, quando se tornou Presidente, Trump tornou-se também, imediatamente, o Presidente menos popular da História os EUA e acabou por perder a reeleição. Mas, é claramente um génio em manter a atenção do público.
Além da combinação da familiaridade com o choque, há outro aspeto importante na história de Donald Trump: a distribuição e a atenção. Em 2015 e 2016, quando Trump concorre pela primeira vez à presidência, não conseguíamos desligar a televisão ou os canais de notícias, sem ver Donald Trump, ele estava em todo o lado. Isso fez também com que fosse impossível às pessoas esquecê-lo e dificultou o aparecimento de outros candidatos, especialmente no Partido Republicano. Ele sugava todo o oxigénio disponível.
O público está a ser condicionado através dos algoritmos e outros modelos, ou ainda tem o poder de decisão?
Penso que é uma combinação. As pessoas têm a habilidade de decidir por elas, mas não há dúvida que os algoritmos determinam e moldam o que vemos no Facebook, no Twitter e no YouTube. Têm um importante papel na gestão do ambiente informativo, têm o poder de incluir ideias que de outro modo não veríamos e de excluir ideias que poderíamos querer ver.
É claro para mim que o Twitter e o Facebook têm um poder muito grande e, frequentemente, negativo na política. Tendem a priorizar o conflito e a polarização. Como são desenhados para nos fazer regressar sucessivamente a estas redes, dão-nos mais notícias com características de conflito viral.
É o conflito que nos prende a atenção. Na rua, se passamos por duas pessoas a gritar olhamos para ver o que se passa. Queremos satisfazer a curiosidade, é um desejo que temos alojado no cérebro. Mas não é claro que esta seja uma forma saudável de olhar para o mundo, através de histórias filtradas por uma espécie de lente conflituosa.
Não defendo que o Facebook e o Twitter devam ser responsabilizados por todos os problemas no mundo, mas têm um efeito negativo na forma como a maioria das pessoas interagem com as notícias.
Qual é a atração das “fake news”?
São outro exemplo da forma como os produtores de conteúdos se tornaram realmente engenhosos, normalmente de modo negativo, em encontrar maneiras de prender a nossa atenção com media que não são bons para nós.
As “fake news” são, na verdade, antigas. Há uma história incrível de como em 1830, há 190 anos, nasceu em Nova Iorque o conceito dos jornais com publicidade paga. Nos Estados Unidos chamava-se a "penny press", um dos primeiros foi o "New Yourk Sun", que reconhecia que vendia notícias praticamente de forma gratuita e depois vendia o público aos anunciantes - este é o nascimento da publicidade moderna.
Só alguns meses após o lançamento, o "New York Sun" publicou um artigo de várias páginas sobre pessoas que viviam na Lua, de forma civilizada, com quedas de água e outros dados, sem que nenhum fizesse qualquer sentido - era uma “fake news”, mas foi um sucesso.
O que a História nos ensina é que, apenas alguns meses após a invenção da publicidade paga, tivemos o primeiro exemplo de “fake news” patrocinada. É um facto que esta tentação existe, vender ao público ficção em vez da não ficção. É verdade que a ficção tende a vender mais, os filmes têm mais visualizações do que os documentários. Sem as salvaguardas adequadas, este também será o caso em redes como o Facebook.
O que antecipa para o futuro? As preocupações ambientais podem impôr mudanças nas escolhas que fazemos?
Sim! É importante identificar onde estão os muros da atenção para que os consigamos quebrar. Se compreendermos que somos frequentemente seduzidos por familiaridade, “fake news”, e informação que confirma a nossa opinião inicial, então podemos começar a escolher proteger esse instinto (ambiental) e ser melhores consumidores, mais inteligentes.