22 jan, 2021 - 16:14 • Filipe d'Avillez
Um dos primeiros decretos assinados por Joseph Biden, horas depois de ter afirmado no seu discurso inaugural que queria ajudar a sarar as divisões políticas e sociais nos Estados Unidos, estabelece que, para efeitos legais, qualquer referência na lei federal a “sexo” e discriminação sexual” passa a incluir as categorias de “identidade de género” e de “orientação sexual”.
Desta forma, o Presidente altera, de uma assentada, toda a legislação que tinha, até aqui, por intenção proteger os cidadãos de discriminação pelo facto de serem homens ou mulheres, passando a dar proteção também a todos os que se identificam com um “género” diferente do seu sexo biológico ou que se sentem discriminados por causa da sua orientação sexual.
Embora esperado, o decreto foi recebido com alarme por conservadores, que temem o que um descreve como um “tsunami” de problemas, desde liberdade religiosa até ao desporto feminino.
A proibição de discriminação por “identidade de género” obriga, entre outras coisas, as escolas a permitir que um aluno utilize os balneários do sexo com o qual se identifica, independentemente da sua biologia, ou que um adulto possa usar casas de banho do sexo oposto em locais públicos, obrigando ainda as organizações desportivas a deixar os atletas participarem no escalão do sexo com o qual se dizem identificar.
“Não estamos no campo das hipóteses, isto já está a acontecer”, diz John Bursch, da organização Alliance Defending Freedom, que dá apoio jurídico em casos de liberdade religiosa e de expressão. “Uma das nossas clientes, a Chelsea Mitchell, perdeu quatro títulos estadais para um rapaz que compete na divisão das raparigas. Isto não é igualdade nem é progresso, é antimulher”, afirma, em declarações à Catholic News Agency, dos Estados Unidos.
Mas a ameaça para as mulheres chega mais longe do que o campo desportivo. “A cidade de Anchorage, no Alasca, insistiu que um centro de acolhimento para mulheres deixasse um homem que se identifica como mulher dormir ao lado de mulheres que foram violadas, traficadas e abusadas. Tivemos de ir a tribunal para proteger o direito do abrigo a não ter homens biológicos no mesmo espaço que aquelas mulheres abusadas."
“A redefinição de ‘sexo’ para significar ‘orientação sexual e identidade de género’ não é igualdade nem progresso. Isso não é discriminação, é biologia. Quando a lei não respeita as diferenças entre homens e mulheres gera-se o caos e isso ameaça as mulheres e as raparigas”, conclui Bursch.
Outro problema que se vê com a lei prende-se com a liberdade religiosa, não só para organizações religiosas que agora poderão ser obrigadas pelo Governo Federal a violar as suas consciências e ditames religiosos sob pena de perder apoios ou ter de fechar portas, mas também para trabalhadores que têm objeções de consciência ou de base religiosa em assuntos como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Já houve vários casos de homens e mulheres que perderam empregos no setor privado por se oporem ao casamento homossexual, mas agora passariam a estar na mira da legislação federal também.
“No fundo isto diz às pessoas religiosas que as suas opiniões já não são bem-vindas na praça publica”, explica Bursch.
Mary Rice Hasson, investigadora na Ethics & Public Policy Center, lamenta o decreto de Biden que, considera, assenta “na mentira de que a ‘identidade de género’ permite a uma pessoa do sexo masculino ‘ser’ uma mulher” e contrasta a tomada de posição do novo Presidente com as suas próprias palavras, no seu discurso de tomada de posse, em que citou Santo Agostinho sobre a necessidade de a unidade se basear na verdade.
Outros críticos dizem que com a nova lei alguém que tenta dissuadir um adolescente que diz identificar-se com o sexo oposto de tomar medicamentos hormonais ou sujeitar-se a cirurgias irreparáveis poderá incorrer num crime e que os planos e seguros de saúde passarão a ser obrigados a financiar cirurgias de “mudança de sexo”, entre outros. Da mesma forma, hospitais, mesmo que sejam privados e de inspiração religiosa, poderão ser obrigados a fazer essas mesmas cirurgias.
“Nenhuma criança deve ser sujeitada à mentira de que está ‘presa no corpo errado’ e os adultos não os devem encher de medicamentos que impeçam a puberdade e hormonas do sexo oposto”, afirma Ryan Anderson, da Heritage Foundation e autor do livro “When Harry Became Sally: Responding to the Transgender Moment”, também em declarações à CNA.
No seu decreto, Biden afirma estar a basear-se numa recente posição do Supremo Tribunal que alargava a proteção laboral a casos de identidade de género e orientação sexual, mas os críticos lembram que essa decisão tinha como objetivo evitar que as pessoas pudessem ser despedidas unicamente por terem disforia de género ou serem homossexuais, e que o decreto de Biden vai muito mais longe.