19 mar, 2021 - 17:25 • Pedro Mesquita , Filipe d'Avillez
Depois de graves trocas de acusações, o Presidente da Rússia estendeu esta sexta-feira um ramo de oliveira na direção de Washington, desafiando Joe Biden a conversar sobre assuntos de interesse mútuo.
Na semana em que os serviços secretos norte-americanos confirmaram as suspeitas de ingerência do Kremlin nas últimas presidenciais, Joe Biden prometeu que a Rússia vai pagar por isso.
Entrevistado pela cadeia de televisão ABC, o novo presidente dos EUA confirmou que vê Putin como um assassino levando Vladimir Putin a reagir de imediato, recorrendo à velha máxima: “Quem o diz é quem o é”.
A tensão é agravada pelo facto de terem acabado de entrar em vigor novas sanções norte-americanas contra interesses russos e Putin ter feito regressar a Moscovo o seu embaixador em Washington.
Esta sexta-feira o Presidente russo voltou a falar, propondo a Biden uma reunião por videochamada. Em declarações à Renascença, Mário Godinho de Matos, antigo embaixador de Portugal na Rússia, explica que Putin estará agora a por água na fervura.
“Dá-me a impressão que sim, sobretudo por estas declarações que são já de hoje e que inclusive propõem uma agenda para essa conversa, designadamente falar de relações bilaterais, de estabilidade estratégica, a questão mais geral dos armamentos, os conflitos regionais, inclusive fala da luta contra a pandemia”, diz.
“Evidentemente que Putin está também a falar para a sua população e diz que só cooperará com os Estados Unidos nas áreas do seu interesse e nos termos que achar favoráveis. Quanto à questão de chamar o embaixador, não podemos considerar que seja uma atividade de rotina, mas pelos sinais que vejo estou convencido que o embaixador voltará a Washington dentro de um tempo razoável”, espera Mário Godinho de Matos.
Tensão EUA-Rússia
Uma entrevista de Joe Biden à ABC News inaugurou u(...)
Porém, o embaixador considera que Putin também pode usar a seu favor a retórica de Biden. “Há até quem diga que essa afirmação só vem fortalecer o Putin, que como se sabe vai ter eleições e pode, inclusive, fortalecer muito o seu eleitorado, em torno dele, a defender a sua figura, mas isso são tudo especulações.”
“O que eu acho é que Putin está a reagir pela positiva, como aliás disse, sugerindo que desejava boa saúde a Biden, logo no primeiro momento”, conclui.
Mas porque razão Biden optou por usar termos tão fortes na subida da retórica com a Rússia? O analista de política americana, Germano Almeida, diz que Biden quer marcar posição.
“Mostra o posicionamento de Biden, de que o regresso da América não é mostrar uma América 'soft' em que o 'softpower' é que vale tudo. Não, mostra um posicionamnto em que Washington dá prioridade às democracias e reserva-se ao direito de identificar quais são as verdadeiras democracias e quais são as autocracias que se vai bater por travar e conter. E claramente as duas autocracias que mais ameaçam a visão liberal-democrática que os Estados Unidos querem voltar a liderar no pós-Trump são a China e o projeto expansionista de Xi Jin Ping e Putin e a forma como Putin insiste em interferir na soberania dos outros estados.”
“Naturalmente, o que este relatório mostra é que Biden não permitirá que algo que aconteceu em 2016 e 2020 se repita, dos russos tentarem interferir na escolha soberana dos americano”, diz.
“Não reconhecemos e não reconheceremos”, dizem os (...)
Contudo, garante Germano Almeida, não estamos perante o risco de um regresso ao contexto de Guerra Fria.
“Creio que tem a ver com o agravamento de sanções do ponto de vista da sua configuração económica, diplomática, tensão certamente ao nível diplomático, e por outro lado uma demarcação mais clara em relação ao facto de a Rússia ser um inimigo dos Estados Unidos e não pode ser complacente com isso.”
“Obviamente não estamos já no tempo da Guerra Fria, recordo que dias antes, os mesmos Putin e Biden, que agora trocam acusações fortes, acordaram em prolongar o acordo START entre os Estados Unidos e a Rússia, no sentido de reduzir material nuclear dos dois, sendo que Estados Unidos e Rússia, juntos, têm cerca de 93% do total do poder nuclear do mundo, e portanto não esperemos um regresso de Guerra Fria, a nível de tensão armamentista, mas esperemos um agravar de posições em relação a visões do mundo, alianças regionais e tensões diplomáticas”, conclui.