05 abr, 2021 - 17:10 • José Pedro Frazão
O terrorismo na região de Cabo Delgado "não é um problema exclusivamente de Moçambique", afirma o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, em entrevista à Renascença.
O chefe da diplomacia portuguesa afirma que o controlo da vila de Palma "pelo exército moçambicano é uma excelente notícia", depois do ataque jihadista de 24 de março.
Augusto Santos Silva revela, ainda, que já está em Maputo o brigadeiro-general que vai comandar a força portuguesa, que dará treino militar a tropas especiais, apoio logístico, sanitário e humanitário.
Como comenta o anúncio de que o Exército moçambicano já controla a vila de Palma?
É uma situação muito difícil em termos humanitários, visto que o número de deslocados forçados já era superior a meio milhão e engrossou agora com estes últimos ataques. Há também muitas vítimas mortais a lamentar e, portanto, do ponto de vista humanitário, a situação que se vive em Cabo Delgado é muito difícil.
Do ponto de vista da segurança, essa notícia transmitida pelas autoridades moçambicanas de que o Exército retomou o controlo de Palma é uma excelente notícia, visto que a estabilização daquela área, e a garantia do controlo por parte das autoridades legítimas desse território, é absolutamente essencial até para que a ação humanitária e a cooperação para o desenvolvimento se possam desenvolver.
Neste momento já está em Moçambique o comandante da missão portuguesa que vai apoiar as Forças Armadas moçambicanas na formação de tropas especiais. O senhor brigadeiro-general que comandará essa missão portuguesa já se encontra em Moçambique. Esperamos que ao longo deste mês o trabalho no terreno se intensifique.
No que diz respeito ao envolvimento europeu, depois da missão política que eu próprio liderei em janeiro, o Serviço Europeu de Ação Externa preparou o documento de enquadramento político da missão. Os embaixadores para a área da política de defesa e segurança já validaram esse documento que seguirá o seu caminho, indo a apreciação do grupo técnico-militar para depois ser sujeito à validação política dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.
Isso quer dizer que é um processo que ainda vai demorar?
Sim, várias semanas.
Está em linha com esta formação a nível militar que Portugal vai dar?
Está sobretudo na linha das propostas e das solicitações das autoridades moçambicanas. É preciso ter sempre isso em mente. Moçambique é um Estados soberano e em Moçambique decidem as autoridades moçambicanas. Nós apoiamos, manifestamos o nosso desejo de apoiar e concretizamos o nosso apoio como resposta a pedidos, solicitações e necessidades identificadas pelas autoridades moçambicanas. Foram muito claras nessa identificação. Disseram que precisam de formação, sobretudo treino militar em tropas especiais, que precisam de apoio logístico, sanitário e humanitário. E é nessas três vertentes que estamos a trabalhar na União Europeia.
Muitos analistas criticaram a ausência de resposta da União Europeia nesta matéria, mesmo sabendo que o senhor ministro foi mandatado para ir ao terreno regressando com a indicações que levou ao Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros. Portugal sente-se desacompanhado na União Europeia em relação a Moçambique?
Não creio. Essa crítica é injusta. A senhora ministra dos Negócios Estrangeiros de Moçambique dirigiu uma carta, em setembro passado, ao Alto Representante da União Europeia para a Política Externa, dando conta da situação vivida em Cabo Delgado e fazendo um conjunto de propostas de incremento da cooperação.
O Alto Representante respondeu positivamente logo a seguir e, entretanto, estivemos a preparar com as autoridades moçambicanas a missão política e a missão técnica essenciais para desenhar esse apoio. Esse trabalho está em curso.
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Na semana passada disse, no Parlamento, que o objetivo de Portugal não é pressionar o Governo de Moçambique, mas apoiá-lo. Estes desenvolvimentos das últimas horas dão mais conforto à posição que Portugal tem assumido?
A posição de Portugal é sempre a mesma. Temos um programa de cooperação bilateral com Moçambique em várias áreas, desde a educação, saúde, apoio à capacitação institucional e também numa área que é muito importante que é a cooperação técnico-militar. É no quadro dessa cooperação técnico-militar que agora fazemos um reforço com cerca de 60 militares formadores que vão formar Fuzileiros e Comandos, portanto tropas especiais moçambicanas, numa área que é muito difícil.
Mas vê nestes desenvolvimentos um claro sinal de que as autoridades moçambicanas estão claramente a conseguir resolver o seu próprio problema? Esta foi uma das interrogações lançadas recentemente sobre a capacidade de Moçambique conseguir resolver o seu problema.
Neste momento não sou um analista. Sou o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e não me pronuncio sobre a capacidade de Moçambique fazer isto ou aquilo.
Já disse que este não é um problema apenas de Moçambique...
Eu sei que Moçambique é um país parceiro de Portugal, um dos países mais importantes para a cooperação portuguesa, que nos pede que neste momento incrementemos a cooperação em áreas precisas e é o que nós estamos a fazer. Agora, não é um problema exclusivamente de Moçambique. Estará muito errado quem pensar isso.
Temos hoje uma questão séria em toda a África Oriental e também na região sul de África como a extensão das redes terroristas para essa região. É, portanto, um problema de Moçambique, do sul da África, do continente africano, da Europa e da comunidade internacional.