21 abr, 2021 - 10:40 • Beatriz Lopes , Hugo Monteiro com Redação
Na abertura da XXVII Cimeira Ibero-Americana que decorre em Andorra, os líderes de Espanha, França, Chile, Costa Rica e Portugal abordaram a necessidade de reformar e fortalecer o sistema de saúde global para melhorar a capacidade de resposta a futuras pandemias. Os vários líderes apelaram ainda à solidariedade e à união global para combater a atual crise sanitária.
E são várias as dificuldades que os países ibero-americanos enfrentam no combate á pandemia. Além do atraso no processo de vacinação, o maior problema parece ser agora a propagação da variante altamente contagiosa que surgiu na cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, a chamada variante P.1.
À Renascença, a diretora-executiva da Médicos Sem Fronteiras no Brasil, Ana de Lemos, descreve um cenário doloroso em toda a América Latina, assinalando que “na última semana, 43% das mortes no mundo foram na América Latina e 26% foram no Brasil, o que é um sofrimento extremo e é muito doloroso para toda a gente”.
“E há um fator que afetou primeiro dramaticamente o Brasil, começando na Amazónia, e que agora afeta também os outros países da América Latina que é a variante P.1 que tem um nível de transmissão, ao que tudo indica, muitíssimo mais rápido. Mesmo países como o Uruguai, com políticas que foram abrangentes e sendo um país pequeno, recentemente foram avassalados pela variante P.1”, acrescenta.
Além do Uruguai também países como o Chile foram apontados em tempos como bons exemplos no combate à pandemia, mas nem estes, explica Ana de Lemos, têm escapado à propagação das novas variantes.
“O Uruguai tinha sido um exemplo durante todo o ano passado na contenção do vírus, através de medidas de consciencialização da população, mas agora o levantamento precoce e a alta velocidade com que a pandemia se tem espalhado pelo continente, trouxe tudo isso abaixo e estão numa situação extrema, apesar de terem acelerado agora as campanhas de vacinação", lamenta a responsável.
"O que nós vemos no Chile, por exemplo, que é um país que fez acordos para a compra de vacinas atempadamente, apesar da P1 estar a aumentar o número de casos, em todos os grupos populacionais vacinados vê-se claramente um decréscimo de contágios e principalmente de mortes”, acrescenta Ana Lemos.
No terreno, os Médicos Sem Fronteiras têm atuado sobretudo em países como o Brasil, Venezuela e Perú, onde os sistemas de saúde estão sobrecarregados e os profissionais exaustos.
O maior desafio, conta Ana de Lemos, tem sido apelar às comunidades destes países para que cumpram as regras sanitárias, até porque, diz, “a quantidade de desinformação é avassaladora”.
“Desde o Brasil, o que nós vemos é esta falta total de políticas nacionais de contenção, de políticas de testagem, de guias de tratamento e uma desinformação constante que tem chegado à população e que impede a compreensão do que deve ser feito para controlar a transmissão. A Covid não se trata nos hospitais, não se resolve nas unidades de cuidados intensivos que no Perú, no Brasil e no Uruguai, por exemplo, estão cheias e no final fica à responsabilidade dos profissionais de saúde resolver a situação”, considera.
A diretora-executiva da Médicos Sem Fronteiras no Brasil lamenta que os países ibero-americanos tenham das piores situações epidemiológicas do mundo. Ana de Lemos reconhece que algumas decisões políticas não têm permitido um melhor controlo da pandemia.
“Eu não generalizaria entre países porque a situação política e muitas vezes epidemiológica também é diferente, mas, por exemplo, no caso desta vaga que faz ao Brasil ter ¼ das mortes mundiais e à América Latina 43%, realmente as autoridades brasileiras têm uma grande responsabilidade e muitas das mortes poderiam ter sido evitadas se houvesse políticas centralizadas e de coordenação para conter a disseminação do vírus”, afirma à Renascença.
Aos olhos da comunidade brasileira, Portugal tem sido visto como um exemplo a seguir no combate a esta pandemia. No entanto, Ana de Lemos admite que o pior ainda possa estar para vir e que “o cenário de catástrofe” que se vive agora no Brasil se alastre a países vizinhos.
“Enquanto não atingirmos uma imunidade global, as únicas ferramentas que temos na mão é através dessas políticas controlar a transmissão, ao mesmo tempo que aceleremos a vacinação. Mas enquanto o Brasil tem esta situação dramática, é praticamente inevitável que os outros países da América do Sul cheguem a uma situação similar. Mas realmente Portugal é visto como um exemplo de como foi possível controlar – embora demorasse meses – a transmissão acelerada e o número de mortes”, conclui a diretora-executiva da Médicos Sem Fronteiras no Brasil.