22 abr, 2021 - 08:25 • Hélio Carvalho
A Cimeira de Líderes sobre o Clima, convocada pelos Estados Unidos, arranca na quinta-feira e vai juntar 40 líderes mundiais. Depois do anúncio da Lei Europeia do Clima, o mundo espera ansioso para saber quais serão as metas americanas para a redução de emissões de gases de estufa para as próximas décadas.
Para Viriato Soromenho-Marques, professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e antigo presidente da associação ambiental QUERCUS, a cimeira é um ponto importante para a diplomacia e política climática americana.
Menos de um dia depois de tomar posse como Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden fez o país reentrar no Acordo de Paris. Sete dias depois, convocou a Cimeira de Líderes sobre o Clima.
"Joe Biden está a tentar reintroduzir os Estados Unidos na grande diplomacia climática. Os EUA têm tido um comportamento oscilante nessa matéria, não apenas devido aos Presidentes mas também devido à resistência do Congresso e, em particular, do Senado a qualquer compromisso em matéria de clima e de energia. Isto mostra que este tema é extremamente importante no programa de atuação da administração Biden", disse Soromenho-Marques, em entrevista à Renascença.
Xi Jinping, líder do país mais poluidor do mundo, (...)
A cimeira surge depois da Organização Meteorológica Mundial ter divulgado na segunda-feira que a nossa casa está, efetivamente, a arder.
A média de temperaturas no ano de 2020 foi 1,2°C acima do nível pré-industrial, e o Acordo de Paris avisou que era necessário evitar uma subida de 1,5°C até ao final do século.
Para Soromenho-Marques, "isto mostra a gravidade da situação e mostra efetivamente que esta cimeira, se peca por alguma coisa, é por ser tardia".
"Liderança no século XXI é uma liderança que trata da questão central que é a nossa sobrevivência coletiva."
No final de contas, afirma o filósofo, este é o momento dos Estados Unidos demonstrarem o papel que têm como potência mundial na agenda climática e ambiental
"Os Estados Unidos não podem continuar a ser pelo menos uma das duas potências dominantes no planeta se não tiverem uma forte agenda ambiental e climática, se não colocarem essa agenda como uma agenda charneira de todas as outras políticas, de energia, de renovação industrial, de emprego e de ordenamento do território", afirma Soromenho-Marques, que acrescenta que uma "liderança no século XXI trata da questão central que é a nossa sobrevivência coletiva".
A Cimeira de Líderes sobre o Clima será também o primeiro grande momento diplomático da nova administração Biden. Depois de meses em que o Presidente confrontou a China e a Rússia em questões de direitos humanos, Joe Biden vai finalmente sentar-se - ou, neste caso, olhar para o mesmo ecrã - que os líderes dos dois países rivais.
Soromenho-Marques destaca que tem havido um "grau de agressividade significativa" entre a diplomacia americana e russa, mas destaca que as negociações climáticas "prendem-se com um interesse da humanidade no seu conjunto".
"Se prevalecesse a racionalidade, mesmo existindo conflitos noutros domínios, é do interesse da China, da Rússia, dos Estados Unidos, da humanidade, que exista acordo. Mas nós sabemos muitas vezes que não é a racionalidade que determina os interesses dos Estados ou dos chefes de Governo e, por isso, amanhã vamos ter um grande teste", afirma.
O filósofo português, que leciona na Universidade de Lisboa sobre políticas europeias, espera para ver "até que ponto existirá um ambiente cooperativo e até cordial para que os países se afirmem nesta componente que, como disse, tem a ver com a sobrevivência coletiva".
"Nenhuma disputa de natureza geopolítica, comercial, militar ou de outra natureza pode ou deve impedir que exista um acordo para que todos possamos evitar o agravamento das alterações climáticas para lá de um nível em que a própria comunidade internacional não tenha capacidade de adaptação e de resposta", espera Soromenho-Marques, que compara o clima tenso mas de possível cooperação com o clima vivido durante a Guerra Fria, entre EUA e União Soviética.
"No tempo da Guerra Fria, independentemente das rivalidades que existiam, estes dois grandes blocos foram capazes de evitar que as tensões e disputas gerassem um conflito que seria igual à destruição da própria civilização humana. Estamos numa encruzilhada semelhante. Se não chegarmos a uma efetiva redução das emissões e atempadamente, todos nós iremos sofrer o equivalente àquilo que seria uma guerra de destruição maciça com armas nucleares", diz o professor.
O filósofo e autor de vários livros sobre geopolítica ambiental aguarda pelo anúncio das metas americanas com expectativa. Soromenho-Marques recorda que os Estados Unidos não utilizam as mesmas referências que a Europa e o protocolo de Quioto, pelo que a especificidade técnica deve ser algo a ter em conta.
"Nós usamos na Europa o ano de referência de 1990; os Estados Unidos têm oscilado, não sabemos se vão usar o ano de 2005 ou 2010. O que posso dizer é que as organizações não-governamentais (ONG) norte-americanas estão a fazer muita força para que os EUA utilizem o ano de referência de 2010, de forma a que a redução seja maior. No ano de 2005, os EUA atingiram o pico das emissões, o que significa que se, por exemplo, avançarem com uma redução em 50% das emissões referindo o ano de 2005, essa redução vai ser muito menos ambiciosa", explica.
Caso os Estados Unidos optem pela hipótese menos ambiciosa, Viriato Soromenho-Marques esclarece que a redução será, comparativamente à proposta europeia, muito menor.
Segundo o professor da Universidade de Lisboa, "as reduções europeias que estão em cima da mesa são reduções de 55% até 2030 em relação ao ano de 1990. Se traduzíssemos a meta de redução em 70% que algumas ONG americanas propõem em relação ano de 2005 para 2030, isso seria equivalente a uma redução de apenas 40% se usarmos os pontos de referência europeus".
Presidência portuguesa
Ministro do Ambiente defendeu esta quarta-feira qu(...)
Também em cima da cimeira, foi feito o anúncio pela Presidência Portuguesa do Conselho Europeu que foi atingido um acordo entre o Conselho e o Parlamento Europeu sobre a Lei Europeia do Clima.
A lei prevê um acordo provisório que pretende legislar o objetivo de reduzir as emissões de CO2 para 2030 em 55% e o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050. Será também introduzida uma meta intercalar para 2040 e criado um conselho científico consultivo para as alterações climáticas.
Para Viriato Soromenho-Marques, a nova leia é, "comparativamente com aquilo que se espera dos Estados Unidos e da melhor oferta da administração Biden, um passo bastante positivo".
No entanto, salienta que não desmente que esta "não pudesse ou, sobretudo, não devesse ser ainda mais ambiciosa", tendo em conta a "responsabilidade história" da União Europeia em matéria climática.
"Estamos a falar da União Europeia que, juntamente com os Estados Unidos, é uma das regiões do globo que tem maior responsabilidade em matéria de alterações climáticas. São as áreas históricas onde as emissões começaram e estão industrializados há muito mais tempo do que a China", vinca o filósofo e ambientalista.
Além disso, apesar de considerar a meta "bastante significativa", Soromenho-Marques não esconde que um acordo unânime, como pretende o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Matos Fernandes, será difícil de concretizar por existirem "muitas resistências".
"Temos países absolutamente dependentes dos combustíveis fósseis e, ainda por cima, dependentes do carvão, como é o caso da Polónia e mesmo da Alemanha, que ainda tem zonas dependentes do carvão. Há muito trabalho de casa para fazer", aponta Soromenho-Marques.