10 mai, 2021 - 15:00 • José Pedro Frazão
Há um antes e depois de fevereiro de 2021 no mandato do catalão Josep Borrell como Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros. Nesse mês, o chefe da diplomacia europeia apanhou o avião para Moscovo numa altura em que o crítico do Kremlin Alexei Navalny estava detido e a União Europeia já ponderava novas sanções contra a Rússia.
Borrell não visitou Navalny na cadeia e choveram pedidos de demissão de Borrell com origem no Parlamento Europeu, acusando-o de ter colocado a União Europeia numa posição "humilhante".
Em entrevista à Renascença, à margem do Conselho Europeu Informal do Porto, Borrell admite que as sanções europeias acabam por ser mais limitadas que as americanas. Numa conversa breve, registada no intervalo entre trocas de impressões constantes com os seus assessores sobre a posição europeia em diversos temas internacionais, o também vice-presidente da Comissão Europeia explicou a estratégia que considera adequada para lidar com a Rússia.
Está arrependido de ter ido em fevereiro a Moscovo em nome da União Europeia?
Não. Havia que o fazer. Se a Europa quer dizer à Rússia o que pensa sobre o caso Navalny, tinha que o fazer no momento em que Navalny estava a ser julgado. Já sabia que não ia ser fácil, mas aquele era o momento de o fazer.
A agenda era sobretudo a detenção de Navalny?
Não, eram todos os temas que temos com a Rússia. Mas um europeu não pode falar com os russos sem falar de Navalny.
E agora com a escalada de sanções, ainda há um ponto de diálogo com a Rússia?
Sim, claro. Há sempre pontos de diálogos na diplomacia, mas nem todos são públicos. Esta escalada das sanções e as situações na Bielorrússia e na Ucrânia, com as manobras militares russas na fronteira, criaram um momento difícil.
O tema vai ao Conselho Europeu de 25 de maio. As sanções não são uma ferramenta de diálogo profícuo. Qual é a direção que a União Europeia pretende dar a este processo?
As sanções não são uma política. Nós não aplicamos sanções como fazem os Estados Unidos [cujas sanções] afetam diretamente a população, como o bloqueio de Cuba. Nós aplicamos somente sanções pessoais, dirigidas a responsáveis políticos cujos comportamentos censuramos. Mas não aplicamos sanções económicas gerais que afetem gravemente a população como no caso da Venezuela, Irão ou Cuba.
Portanto, as nossas sanções têm um alcance limitado, mas não são inócuas. Mas as sanções não são uma política, fazem parte de uma política. E, naturalmente, o nosso relacionamento com a Rússia, não se pode limitar ao "eu sanciono-te e tu sancionas-me".
Temos que fazer três coisas com a Rússia: temos que a conter, nos momentos em que sua atitude é agressiva, como no caso da Crimeia e da Ucrânia; temos que a fazer recuar, recusando os seus comportamentos por desinformação; mas também temos que nos relacionar com a Rússia. Temos problemas que não podemos resolver sozinhos, como a questão do Ártico, as alterações climáticas, o abastecimento energético, a situação no Cáucaso, na Síria ou na Líbia. A Rússia é um grande vizinho e não vai desaparecer. Temos que fazer estas três coisas: conter, rechaçar e participar naqueles temas em que estamos interessados em fazê-lo.
A chamada "diplomacia de vacinas" por parte de Moscovo altera esse seu quadro?
A Rússia e China utilizaram a sua vacina como um instrumento de política externa. Também o fizeram anteriormente com as máscaras e vimos como camiões russos circularam pelo norte da Itália com faixas dizendo "Da Rússia com amor, aqui estamos a trazer as máscaras que eles não querem ou não têm”.
Isto faz parte da lógica com a qual estes países desenvolvem as suas relações exteriores. Alguns países europeus foram pedir vacinas à Rússia. E eu também disse a Moscovo: se a vacina russa cumpre os controlos da Agência Europeia de Medicamentos, bem-vinda seja essa vacina. O mundo precisa de vacinas, quantas mais existam, melhor.
O que a Europa nunca fará é usar as vacinas como instrumento de pressão, como quem diz " se não te comportas como eu quero, não terás a minha vacina". Pelo contrário, nós, europeus, exportamos para fora da Europa tantas vacinas quantas as que demos à nossa população. Os Estados Unidos fizeram zero exportações. O Reino Unido teve zero exportações.
A Europa está a ser solidária ou ingénua quando exporta vacinas que lhe faziam falta?
As empresas europeias assinaram acordos para vender vacinas no estrangeiro. Na medida em que cumpram as condições dos contratos que assinaram connosco, podem fazê-lo. Mas chegou um momento em que começámos a pensar que era preciso vigiar as exportações, não proibi-las, para ter certeza de que a exportação não é feita em detrimento de nós. Se tem um contrato comigo, primeiro cumpre esse contrato. Acontece é que começaram a criticar-nos dizendo que nós, europeus, estávamos a impedir as exportações. É bastante curioso, não? Porque somos os que mais exportamos. Não podemos ser criticados por exportarmos e não exportarmos, das duas uma.