12 jul, 2021 - 17:51 • Lusa
Em 2020, ano marcado pela pandemia da doença covid-19, o mundo testemunhou um "agravamento dramático" da fome, com quase um décimo da população mundial a sofrer de subnutrição, revela um novo relatório das Nações Unidas.
Entre 720 milhões e 811 milhões de pessoas no mundo foi vítima do flagelo da fome em 2020, segundo estima o relatório anual "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo" (conhecido pela designação SOFI), hoje divulgado a partir de Roma, Itália.
Trata-se do primeiro documento a fazer este tipo de avaliação em tempos pandémicos.
"Considerando o meio do intervalo projetado (768 milhões), a fome terá atingido mais cerca de 118 milhões de pessoas em 2020 [um aumento de 1,5 pontos percentuais] do que em 2019", alerta o documento assinado por cinco agências do sistema da Organização das Nações Unidas (ONU): Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa Alimentar Mundial (PAM) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Embora as cinco agências admitam que o impacto da pandemia do novo coronavírus ainda não está totalmente traçado, o relatório refere de forma clara que o aumento da fome à escala mundial em 2020 estará "muito provavelmente relacionado com as consequências da covid-19".
As organizações recordam que em edições anteriores deste relatório já tinham alertado que a segurança alimentar de milhões de pessoas em todo o mundo, entre as quais muitas crianças, "estava em perigo", lembrando igualmente que já em meados da década de 2010 o flagelo da fome começou a dar sinais de crescimento, "destruindo as esperanças de um declínio irreversível".
"Infelizmente, a pandemia continua a expor as fraquezas dos nossos sistemas alimentares, que ameaçam a vida e a subsistência de pessoas em todo o mundo", escrevem os líderes das cinco agências da ONU no prefácio da edição de 2021 deste relatório anual.
Estudo
Estudo do Observatório Social da Fundação "la Caix(...)
Numa análise mais detalhada dos números, o relatório revela que mais de metade de todas as pessoas subnutridas no mundo vivem na Ásia (418 milhões), mais de um terço (282 milhões) em África e cerca de 60 milhões na região da América Latina e Caraíbas.
Mas, segundo alerta o documento, foi no continente africano onde o flagelo da fome registou o aumento mais acentuado em 2020.
"[Em África] A prevalência estimada de subnutrição -- em 21% da população - é mais do dobro do que em qualquer outra região", sublinha o documento, que também destaca o aumento observado na América Latina, onde 9,1% da população está atualmente subnutrida.
Outros indicadores do relatório expõem igualmente o lado sombrio do ano 2020.
Em termos globais, mais de 2,3 mil milhões de pessoas (ou seja, quase uma em cada três pessoas no mundo) não tiveram acesso a uma alimentação adequada durante todo o ano, o que representou um aumento de quase 320 milhões de pessoas face a 2019.
O crescimento registado em 2020 deste indicador - conhecido como prevalência de insegurança alimentar moderada ou grave -- foi superior ao total do conjunto dos indicadores dos últimos cinco anos.
A desigualdade de género nesta matéria também se aprofundou no ano passado: para cada 10 homens em situação de insegurança alimentar, existiam 11 mulheres (eram 10,6 em 2019).
Em ano pandémico, a desnutrição persistiu em todas as suas formas, com as crianças a pagarem o preço mais alto, de acordo com os dados do relatório.
"Em 2020, estima-se que mais de 149 milhões de crianças com menos de cinco anos não se desenvolveram convenientemente, mais de 45 milhões vivem num estado de fraqueza ou são muito magras para a sua altura e quase 39 milhões têm excesso de peso", enumera o documento.
O SOFI 2021 acrescenta que um total de três mil milhões de adultos e de crianças continuam sem acesso a regimes alimentares saudáveis, em grande parte devido aos custos excessivos que lhes estão associados, e que as situações de excesso de peso e de obesidade em adultos aumentaram tanto nos países ricos como nos Estados mais pobres.
Já quase um terço das mulheres em idade reprodutiva sofre de anemia, refere ainda o documento.
Ao mesmo tempo que alertam que o mundo está diante de uma "conjuntura crítica" no campo da segurança alimentar e nutricional, as cinco agências da ONU também afirmam que estão a depositar "novas esperanças no aumento do ímpeto diplomático" em relação a esta matéria, numa referência a três eventos de cariz multilateral agendados para os próximos meses.
"Este ano oferece uma oportunidade única para fazer avançar a segurança alimentar e da nutrição através da transformação dos sistemas alimentares, com a próxima Cimeira sobre Sistemas Alimentares [prevista para setembro, em paralelo com a 76.ª Assembleia-Geral das Nações Unidas], a Cimeira 'Nutrição para o Crescimento' [em dezembro em Tóquio, Japão] e a Conferência sobre as Alterações Climáticas - COP26 [em novembro em Glasgow, Escócia]", referem.
"O resultado desses eventos", segundo referem os líderes das cinco agências, "dará forma à (...) segunda metade da Década de Ação das Nações Unidas sobre Nutrição (2016-2025), um compromisso político global que ainda não atingiu o seu objetivo".