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​“Bad Blood”. A fraude multimilionária que enganou o mundo

11 ago, 2021 - 15:30 • Sandra Afonso

Começa este mês o julgamento da mulher que ludibriou Silicon Valley, tubarões do investimento, políticos de peso e até o atual Presidente dos Estados Unidos. Elizabeth Holmes prometeu reduzir as análises de sangue a uma picada e resultados em minutos, e todos quiseram acreditar. Só 11 anos depois e já com muitos milhões angariados é que a mentira caiu, nas páginas do Wall Street Journal.

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A história é brutal, sobretudo porque não é ficção. Por mais inacreditável que seja, é tudo real, aconteceu. É contada por John Carreyrou, o jornalista que a deu a conhecer ao mundo e a acompanhou, sob ameaças e intimidações, no "The Wall Street Journal".

A história está agora toda contada em livro. A versão portuguesa (Editorial Presença) mantém o título original “Bad Blood” (“Mau Sangue”, em português), que remete para o negócio em causa e as falhas de quem o liderou. O subtítulo diz o resto: “Fraude Multimilionária em Silicon Valley”, um escândalo de proporções épicas, por tudo o que envolveu, equiparável ao caso Enron.

Os pormenores talvez escapem à maioria, mas alguns ainda recordarão um burburinho sobre uma empresa, que na verdade era uma start-up, que prometia revolucionar os testes de sangue. Com apenas uma picada era possível realizar inúmeras análises, apurando diagnósticos e eliminando vários exames, tudo em minutos.

A rapariga que abandonou a licenciatura em Stanford para criar uma start-up, com 19 anos, era um nome que já todos conheciam em Silicon Valley. Rapidamente Elizabeth Holmes, o rosto da nova tecnologia, estava a ser comparada a Steve Jobs, até porque era frequente vê-la de cabelo apanhado e blusas pretas de gola alta, tal como o homem que idolatrava.


Estes pormenores não passam despercebidos neste livro e ajudam a explicar a máquina de marketing montada em torno da Theranos, a multimilionária start-up de biotecnologia fundada por Holmes, que conseguiu iludir até o atual Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Em 2015, enquanto vice-presidente de Obama, Joe Biden visitou o laboratório da Theranos, em Newark, Califórnia. Ficou impressionado por filas de equipamentos e pela aparência daqueles dispositivos médicos, o tal dispositivo revolucionário que iria analisar o sangue. Biden chamou-lhe “o laboratório do futuro”.

Era tudo falso. O equipamento revolucionário nunca funcionou. Tinha sido tudo montado para a importante visita, e não foi a única vez. Entre 2003 e 2015, Elizabeth Holmes angariou milhões entre investidores de peso, rodeou-se de políticos já reformados, como Henry Kissinger, nos media saiam artigos elogiosos. Tudo isto atraia ainda mais nomes importantes, de diferentes áreas, e cada vez mais investidores.

Como é que Holmes conseguiu manter a farsa durante tanto tempo? Com complexos esquemas, muita intriga empresarial e episódios novelescos. Tudo acabou com a destruição de laços familiares, perdas de milhões e o fim da empresa, avaliada em dez mil milhões de dólares.

John Carreyrou, jornalista várias vezes premiado, incluindo com dois Pulitzer, escreve com base em mais de 150 entrevistas, a reguladores, investidores, funcionários e familiares. A história é contada em episódios, com ritmo, em que o leitor é conduzido de esquema em esquema e vai sendo apresentado aos métodos de evasão e pressão. A estrela e protagonista, Elizabeth Holmes, parece estar sucessivamente em perigo iminente de ser desmascarada, mas consegue sempre manter a farsa mais um dia.

Acaba por ser apresentada como uma líder de rédea muito curta, só assim era possível controlar a narrativa. Os trabalhadores apresentam-na como uma ditadora, que despedia facilmente, mas ninguém entrava sem assinar um amplo acordo de confidencialidade.

A mentira foi alimentada com estimativas de resultados falsos, contratos que não existiam, explicações falsas, intimidações e muito jogo de luzes e espelhos. As pessoas viram durante anos o que quiseram ver. Holmes apresentou “a coisa mais importante que a Humanidade já construiu”, e todos queriam acreditar.

O escândalo subiu de tom quando não se limitou a afetar o capital. Durante anos foram feitas análises, supostamente com o equipamento inovador. O que os pacientes não sabiam é que o sangue estava a ser tratado com equipamento convencional e de forma incorreta. Muitos acabaram nas urgências, com resultados errados. Quase um milhão de testes realizados na Califórnia e no Arizona acabaram anulados ou corrigidos.

Carreyrou perseguiu a história durante muito tempo, mas só a partir das denúncias de um antigo diretor de laboratório da Theranos é que conseguiu chegar à verdade. Levou dez meses a juntar as peças, até denunciar a start-up em outubro de 2015. Ainda assim, só em 2018 é que a empresa caiu oficialmente.

Neste livro falta uma entrevista, a da rainha, Elizabeth Holmes, que recusou os vários pedidos do jornalista.

Mas falta escrever o último capítulo desta história. Carreyrou já está a anunciar um novo podcast, que vai lançar a 26 de agosto: “The Final Chapter” (O último capítulo). O jornalista promete acompanhar o julgamento de Elizabeth Holmes, que deverá arrancar no final de agosto.

Holmes é acusada de defraudar centenas de investidores e pacientes, ao falsificar os resultados dos exames durante anos. A primeira e a mais jovem mulher a alcançar uma fortuna de mil milhões de euros com o seu trabalho, pode agora receber até 20 anos de cadeia.

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