26 ago, 2021 - 10:10 • Sofia Freitas Moreira com Reuters
Depois de homens armados terem raptado sete dos 11 filhos de Abubakar Adam, no noroeste da Nigéria, ele vendeu o carro, terras e gastou as poupanças para conseguir pagar o resgate dos menores.
Conseguiu enviar cerca de 6.200 euros (três milhões de nairas), juntamente com pagamentos de outras famílias da sua cidade, Tegina. Mas no local de entrega, os raptores levaram o dinheiro, prederam um dos homens do grupo e pediram mais dinheiro e seis motas.
"Estamos em agonia", disse o reparador de pneus, de 40 anos, à agência Reuters, ainda à espera de qualquer sinal do que terá acontecido aos seus filhos, três meses após o rapto. "Honestamente, não me resta nada".
Desde dezembro, os raptores já levaram mais de mil crianças e cerca de 300 ainda não foram devolvidas, de acordo com uma contagem da Reuters, que tem por base testemunhos.
O presidente Muhammadu Buhari já apelou ao não pagamento, defendendo que isso apenas encorajaria mais raptos. Já as agências de segurança revelam ter em curso a ações militares que visam estes criminosos.
Entretanto, centenas de pais enfrentam o mesmo dilema: fazer tudo para reunirem o dinheiro e pagar os resgates eles próprios ou arriscarem-se a nunca mais verem os filhos.
"Estamos a pedir ajuda ao governo", disse Aminu Salisu, cujo filho de oito anos de idade foi levado no mesmo rapto diurno na escola islâmica Salihu Tanko de Tegina, em maio, juntamente com mais de 130 estudantes.
Salisu gastou todas as poupanças e vendeu tudo na sua loja para aumentar a sua contribuição. O proprietário da escola vendeu metade do terreno. Com a ajuda de amigos, familiares e desconhecidos, o povo de Tegina disse ter angariado cerca de 62 mil euros (30 milhões de nairas), mas o valor não foi suficiente para os criminosos.
De acordo com uma estimativa dos analistas da SBM Intelligence, sediada em Lagos, entre junho de 2011 e março de 2020, os raptores recolheram mais de 15,3 milhões de euros em resgates.
As grandes quantias de dinheiro trouxeram uma onda de novos raptores, explica Bulama Bukarti, um analista da Unidade de Política Extremista do Tony Blair Institute for Global Change. Bukarti estima que existem, atualmente, cerca de 30 mil raptores a operar no noroeste do país.
"É a indústria mais próspera e mais lucrativa da Nigéria", disse o analista à Reuters. O rapto tornou-se uma opção de carreira tentadora para jovens numa altura de recessão económica, inflação e desemprego de 33%. "Eles viram que era possível e nada acontece aos atacantes".
Em dezembro, homens armados raptaram 344 rapazes da Escola Secundária de Ciências do Governo, no estado noroeste de Katsina, durante uma rusga noturna. Os raptores libertaram os rapazes uma semana mais tarde, desencadeando uma série de raptos semelhantes em toda a região.
Em 2014, um grupo militante islâmico Boko Haram raptou mais de 200 alunas da cidade de Chibok. Este grupo tinha objetivos ideológicos e forçou algumas das raparigas a casar com combatentes.
Os raptos fizeram aumentar a pressão sobre o presidente Buhari, que prometeu combater a insegurança na sua tomada de posse em 2019 e mandou militares para, pelo menos, 30 dos 36 estados da Nigéria.
Numa entrevista à Reuters, o ministro da Informação, Lai Mohammed, defendeu a estratégia de não pagar resgates. Em vez disso, afirmou que o governo tinha destruído múltiplos campos de raptores e tentado outras abordagens para combater o problema.
Citando a necessidade de sigilo em torno das operações em curso, o governante disse que todos os níveis do governo estão a trabalhar para libertar as crianças.
"Estamos a ganhar a guerra contra a insurreição e estamos a ganhar a guerra contra os raptos."
A ONG “Armed Conflict Location and Event Data Project” (ACLED) registou um aumento de 28% da violência a nível nacional na Nigéria nos primeiros seis meses de 2021, em comparação com os seis meses anteriores.
As mortes relatadas devido à violência a nível nacional aumentaram 61% para 5.197, segundo o ACLED.
“Tudo isto explica porque Adam e outros pais estão dispostos a vender tudo o que têm para pagar os seus próprios resgates”, disse Bukarti da Unidade de Política Extremista.
"Eles não podem pagar (isto) de forma alguma. Mas é uma questão de vida ou de morte. E eles sabem que as agências de segurança não podem libertar os seus entes queridos".