03 set, 2021 - 12:06 • Marta Grosso
Os efeitos provocados pela Covid-19 e que não costumam estar associados a doenças do foro respiratório poderão ser explicados pelo facto de a doença ser do âmbito vascular.
A hipótese está a ser estudada há alguns meses e foi agora aprofundada num estudo realizado pela Universidade da Califórnia-San Diego e publicado no jornal científico “Circulation Research” e no Instituto Salt.
“Muitas pessoas veem a Covid-19 como uma doença respiratória, mas na verdade é uma doença vascular”, diz o professor assistente de investigação e co-autor do estudo, Uri Manor.
“Isso poderá explicar porque é que algumas pessoas têm coágulos e porque é que outras pessoas têm problemas noutras partes do corpo. O que há de comum entre elas é que todos os problemas têm origem vascular”, adianta.
Há algum tempo que os cientistas sabem que a proteína ‘S’ (“spike”, de pico, responsável pela coroa) caraterística do SARS-CoV-2 ajuda o vírus a infetar o hospedeiro ao prender-se a células saudáveis.
Agora, este novo estudo mostra que esta proteína (“que se comporta de maneira muito diferente das codificadas com segurança para as vacinas”, segundo salienta o instituto Salt) também desempenha um papel fundamental na doença.
Para o provar, os investigadores isolaram a proteína do vírus em laboratório e criaram um pseudovírus que provocou danos nos pulmões e nas artérias de um modelo animal. Sozinha, a proteína ‘spike’ é, pois, suficiente para causar doenças.
As amostras de tecido mostraram, por exemplo, inflamação nas células endoteliais que revestem as paredes da artéria pulmonar.
Outros estudos já tinham demonstrado um efeito semelhante quando as células foram expostas ao SARS-CoV-2, mas este é o primeiro a revelar que o dano ocorre quando as células são expostas apenas à proteína ‘spike’.
Por isso, mesmo sendo retirada a capacidade de replicação ao vírus, ele continuará a prejudicar as células vasculares.
O professor Rafael Máñez Mendiluce, que há um ano trata pacientes com Covid-19 Hospital Universitário de Bellvitge (na Catalunham Espanha), não se mostra surpreendido com as conclusões do estudo, mas considera que o tratamento atual para a doença deve manter-se.
“Ainda não temos tratamento para a trombose causada pela resposta inflamatória gerada pela infeção”, afirma à Euronews o diretor dos cuidados intensivos daquele hospital espanhol com 30 anos de experiência.
Os medicamentos antitrombóticos não se mostraram particularmente eficazes no tratamento da Covid-19 e, pelo que, recomenda por enquanto “atirar” contra a inflamação causada pela resposta imunológica.
Rafael Máñez Mendiluce recorda ainda que os efeitos causados pela proteína ‘spike’ podem ser verificados em doenças causadas por outros vírus.
Covid-19
Estudo publicado na revista científica BMJ analiso(...)
Uri Manor, co-autor do estudo, defende que as vacinas contra a Covid-19 são mais seguras do que apanhar a doença, porque a quantidade de proteína produzida é muito pequena para se tornar problemática.
Segundo o investigador, ao contrário do que dizem os críticos da vacina, o estudo mostra que a Covid-19 é uma doença muito insidiosa.
O espanhol Máñez Mendiluce também defende que o estudo não questiona a importância das vacinas, mas considera que deve ser melhor investigada a causa dos casos raros de coagulação provocados pelas vacinas AstraZeneca e Johnson & Johnson.
Os investigadores do Instituto Salk esperam agora perceber melhor o mecanismo através do qual os recetores ACE2 danificados pela proteína ‘S’ causam deformações e danos às mitocôndrias, que então causam problemas no tecido vascular.