23 set, 2021 - 13:30 • Guilherme Correia da Silva, correspondente da Renascença na Alemanha
A Alemanha não gosta muito de "geringonças". Prefere governos como as suas máquinas – 100% robustos, eficientes e resistentes, sem que sejam precisos grandes consertos. A "grande coligação" dos últimos oito anos entre os conservadores (CDU/CSU) de Merkel e os sociais-democratas (SPD) é disso um exemplo.
Mas a política alemã está a mudar. "Acabou o tempo em que a CDU e o SPD reuniam, em conjunto, o apoio de 80% do eleitorado", diz o politólogo Christian Stecker, da Universidade Técnica de Darmstadt, em entrevista à Renascença.
O tempo dos "grandes partidos" – e das "grandes coligações" a dois – parece ter chegado ao fim. Conservadores e sociais-democratas conseguem apenas entre 20% e 25% nas últimas sondagens. Depois das eleições de domingo, já não deverão bastar dois partidos para formar governo. Poderá ser necessária uma coligação a três.
Nas últimas semanas têm-se esboçado possíveis alianças. Uma das constelações mais faladas lembra as cores dos semáforos: vermelho (a cor atribuída aos sociais-democratas), amarelo (dos liberais do FDP) e verde (do partido Os Verdes). Outra tem as cores da bandeira da Jamaica: preto (dos conservadores), verde e amarelo.
Mesmo sendo necessários três partidos, o politólogo Christian Stecker acredita que será possível formar uma coligação governamental rapidamente: "Nos Verdes e no FDP, a vontade de governar é grande. Impera um certo pragmatismo".
Mas não é claro o que poderá acontecer. Além das duas constelações citadas, há pelo menos outras três possíveis (conservadores-SPD-Verdes, conservadores-SPD-FDP e SPD-Verdes-Esquerda).
Antes das eleições de domingo, os partidos preferem guardar as cartas junto ao peito e manter as opções em aberto – particularmente o SPD, que está em primeiro lugar nas sondagens. Em última análise, tudo dependerá dos resultados da votação.
Mesmo assim, há quem já vá pensando num plano B, para o caso de os partidos não chegarem a um acordo de coligação governamental.
O presidente do Bundestag, Wolfgang Schäuble (CDU), admitiu este verão que, se as negociações falharem, uma possibilidade seria formar um governo minoritário.
Schäuble disse que "não tem medo" de um cenário em que o governo tenha de procurar constantemente parceiros no Parlamento, sempre que quiser aprovar novas leis.
Ainda é uma voz isolada no coro dos partidos alemães.
Alemanha
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Mas o politólogo Christian Stecker considera que é mais do que tempo de se começar a falar sobre essa alternativa: "Nesta questão, países como Portugal, a Dinamarca, a Nova Zelândia estão mais adiantados do que a Alemanha pois reconheceram que um sistema partidário fragmentado implica uma 'modernização' das parcerias entre partidos".
Este modelo já foi testado em vários estados alemães. Por exemplo, "na Renânia do Norte-Vestfália, o estado mais populoso da Alemanha, houve entre 2010 e 2012 um governo minoritário do SPD e dos Verdes, que conseguia aprovar legislação, seja com o apoio da Esquerda, seja com o apoio da CDU ou dos liberais do FDP", recorda Christian Stecker. Contudo, o executivo acabou por cair quando um dos seus orçamentos foi rejeitado pela oposição.
A nível federal, raramente houve governos minoritários – os poucos que houve foram apenas soluções provisórias.
O medo de "geringonças" instáveis é grande no país. Segundo o politólogo Martin Pfafferott, é um medo que remonta à primeira democracia alemã, a chamada República de Weimar, no início do século XX.
"No final da república, houve muitos governos minoritários, e a ascensão do nazismo e o fim da república têm sido erradamente associados ao caráter instável desses governos. Mas os governos minoritários não foram a causa do problema, eram mais um sintoma. Porque os extremos – o nacional-socialismo e o comunismo – ganharam muita força, e isso dificultou a governação democrática ao centro."
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É por isso que os políticos alemães preferem hoje governos "maioritários", 100% robustos, eficientes e resistentes a choques.
Mas, como diz Pfafferott, se há uma coisa que o exemplo português nos mostra é que "é possível ter governos minoritários durante longos períodos, desde que os partidos consigam encontrar consensos".
Afinal, o primeiro governo de António Costa não caiu – e o segundo já vai a metade da legislatura. Se os partidos fizerem acordos por escrito, assinados pelos seus líderes (como no primeiro executivo de Costa), a probabilidade de sobrevivência é grande, acrescenta Pfafferott, que escreveu um livro sobre governos minoritários e trabalha para a Fundação Friedrich Ebert, ligada ao partido SPD.
Será que a Alemanha pode ter uma "geringonça" semelhante à portuguesa depois das eleições de domingo? Martin Pfafferott duvida, tal como Christian Stecker.
Em Portugal, em 2015, os partidos de esquerda puseram de lado o que os dividia e uniram-se em torno de uma preocupação comum: o combate à austeridade.
Mas, segundo Stecker, a esquerda alemã continua a salientar "sobretudo as suas diferenças em vez de reconhecer que há áreas de interseção na sua política social, que poderiam implementar". A política externa é um dos pontos onde há fortes discrepâncias que vêm constantemente à tona: o partido A Esquerda é, por exemplo, contra a NATO, pedindo em vez disso um "sistema de segurança pan-europeu com a participação da Rússia", mas o SPD e os Verdes são a favor da aliança atlântica.
Por outro lado, o politólogo Christian Stecker entende que ainda é preciso "normalizar um pouco" as "geringonças" no país: antes de ter um governo minoritário federal seria necessário testar mais "protótipos" nos estados federados.