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30 anos Massacre de Santa Cruz

As orações em português que há 30 anos ativaram a solidariedade com Timor-Leste

12 nov, 2021 - 10:41 • Lusa

As imagens do massacre, que vitimou 271 pessoas, foram captadas a 12 de novembro de 1991 pelo jornalista Max Stahl.

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Morreram 271 pessoas e 278 ficaram feridas no massacre de Santa Cruz. Foto: António Dasiparu/ EPA
Morreram 271 pessoas e 278 ficaram feridas no massacre de Santa Cruz. Foto: António Dasiparu/ EPA
Max Stahl, jornalista que captou as imagens  do massacre de Santa Cruz, morreu 30 anos depois de Sebastião Gomes, homenageado no dia da tragédia. Foto: António Dasiparu/ EPA
Max Stahl, jornalista que captou as imagens do massacre de Santa Cruz, morreu 30 anos depois de Sebastião Gomes, homenageado no dia da tragédia. Foto: António Dasiparu/ EPA
As vítimas foram homenageadas, 30 anos depois. Foto: António Dasiparu/ EPA
As vítimas foram homenageadas, 30 anos depois. Foto: António Dasiparu/ EPA

Hermínia de Deus recorda o momento há 30 anos, em que de forma espontânea alguns jovens, uns feridos, outros com roupas ensanguentadas, começaram a rezar em português, na pequena capela do cemitério de Santa Cruz em Díli.

Entre as campas do cemitério, hoje fechado a funerais, estavam vários corpos de jovens baleados por soldados indonésios que durante horas continuaram a rodear o recinto, atacando e detendo quem ousasse tentar fugir.

As orações em português, começadas espontaneamente por Joana Dias, que agora trabalha no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), tornaram-se um dos símbolos das imagens históricas registadas pelo recém-falecido jornalista Max Stahl, que tinha nacionalidade britânica e timorense.

Quando as imagens chegaram às televisões portuguesas, alguns dias depois, o som das orações em português tocou o coração de muitos em Portugal, ajudando a cimentar um movimento de solidariedade com a luta pela independência do país que se manteria quase unânime até ao referendo de 1999.

Para muitos em Portugal, as imagens do massacre foram as primeiras informações que viram sobre o que se passava em Timor-Leste desde o início da ocupação em 1975.

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O cemitério tornou-se famoso, a 12 de novembro de 1991, quando militares de indonésios levaram a cabo o que ficaria conhecido como o massacre de Santa Cruz, um momento trágico de viragem na luta pela independência de Timor-Leste.

Mais de duas mil pessoas tinham-se dirigido a Santa Cruz para prestar homenagem ao jovem Sebastião Gomes, morto por elementos ligados às forças indonésias uns dias antes no bairro de Motael.

No cemitério, os militares indonésios abriram fogo sobre a multidão e provocaram a morte de 74 pessoas no local. Nos dias seguintes, mais de 120 jovens morreram no hospital ou em resultado da perseguição das forças ocupantes. O massacre foi filmado por Max Stahl e a atenção internacional sobre Timor-Leste mudou para sempre.

Os restos mortais de Sebastião Gomes estão na zona mais nova de um cemitério onde se entra por um pequeno portão e uma calçada portuguesa paga por Portugal em 2001, quando se fizeram também algumas obras no muro exterior, algo recordado numa simples placa à direita do portão de entrada.

Max Stahl morreu, coincidentemente, 30 anos depois de Sebastião Gomes, em outubro passado.

Na altura com 21 anos, Hermínia de Deus recordou, em entrevista à agência Lusa, os dias antes do massacre quando ela, estudante universitária, se juntou com outros jovens timorenses para se preparar para receber uma delegação parlamentar portuguesa.

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A visita acabou por ser cancelada, mas os preparativos para um protesto continuaram a ser feitos.

“Estava na universidade na altura. E um grupo decidiu preparar uma receção para a delegação. Estavam a fazer cartazes em Motael quando o Sebastião Gomes foi morto. Éramos jovens e sentimos muita pressão e intimidação”, recorda.

“Fui a casa do Sebastião e estávamos a preparar as coisas, com as irmãs e outros colegas. Fizemos uma reunião e decidiu-se fazer a missa e a demonstração a 12 de novembro”, explica.

Os jovens caminharam, em protesto, desde Motael até Santa Cruz e pouco tempo depois começaram a chegar militares, “só com calças militares, em tronco nu e armados” que “começaram a disparar para o ar primeiro” antes de “lançar várias rajadas”.

“Começámos a fugir, a rastejar pelo chão. Eu ia morrendo. O Pedruco estava atrás de mim e levou ele um tiro que me teria atingido. Morreu ele, coitado”, lembra.

Pouco tempo depois um outro jovem agarrou-a a tempo, quando estava a tentar fugir e militares que rodeavam o recinto atacavam, esfaqueavam e detinham quem ia fugindo do cemitério.

“Ficamos duas ou três horas em Santa Cruz e só depois saímos”, explica.

Os corpos dos mortos nunca foram recuperados e Hermínia de Deus pensa que o Governo deveria fazer mais, exigindo explicações a Jacarta para que as vítimas possam ter funerais dignos, ainda que tanto tempo depois.

Mãe de quatro mulheres, Hermínia de Deus chora quando compara a sua vida, então com 21 anos, e a da sua filha mais nova, hoje com a mesma idade.

“Vivia-se com muita pressão, com muito medo e muita dificuldade. Morreu muita gente a lutar pela liberdade e por melhores condições de vida. Agora a minha filha tem 21 anos e a vida é melhor, pode ir à escola como deve ser, abrir negócios”, explica.

“Mas se calhar falta mais espírito nacionalista e patriótico. Se calhar esse espírito morreu. Fala-se da crise económica e da crise social agora, mas eu acho que é uma crise de nacionalismo e patriotismo”, considera.

E, por isso, pede aos líderes históricos do país que recordem esses princípios e a dificuldade da luta, “trabalhando em conjunto para desenvolver e melhorar as condições de vida de todo o povo”.

E assim, enfatiza, “poder concretizar o sonho de Santa Cruz, de uma vida melhor para todos”.

“30 anos depois, espero que as pessoas tenham uma vida digna. Que os veteranos de verdade possam viver condignamente. E que as condições de vida de todo o povo, porque todo o povo contribui para a luta, também possam melhorar”, disse.

“Não é preciso homenagens no papel. É preciso é homenagens na vida real das pessoas”, sublinha.

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