25 fev, 2022 - 10:57 • Henrique Cunha
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É com preocupação e receios que Alexandre Pinto fala à Renascença a partir da cidade ucraniana de Poltava. Este empresário português vive na Ucrânia há 17 anos e assiste ao avanço militar russo sentindo-se de mãos atadas.
Alexandre Pinto diz que a cidade não tem “alvos estratégicos de interesse em termos bélicos para ninguém”, mas antevê que Poltava cairá nas mãos dos russos, como já acontece com 70% das cidades mais relevantes do país.
“A ocupação está em quase 70% das cidades mais importantes. Poltava não é tão importante, mas são 350 mil pessoas e um milhão de habitantes no distrito. A caminho de Kiev não escapará com certeza, é uma questão de tempo”, diz.
Ficar parece cada vez menos uma hipótese, mas sair também não é seguro.
“É uma decisão muito difícil. Estou cá há 17 anos, tenho uma família. Embora eu saiba que Portugal está com muito boa vontade para receber qualquer ucraniano, ou português, e isso é de agradecer, mas ainda há aqui um plano para pôr em prática”, explica.
E na elaboração desse plano Alexandre encontra muitas perguntas sem resposta. “Pergunto como é que isso pode acontecer, porque 700 quilómetros de estrada para chegar a um ponto de reunião e depois enfrentar uma fila de 10 quilómetros para passar a fronteira com temperaturas muito perto do zero durante a noite é uma situação que eu não consigo arriscar e [não posso] pôr a minha família em risco de ficar pelo caminho”, diz.
Assim, para já a decisão é: “sem ter um plano viável bem desenhado, eu tenho de me adaptar à situação e tentar ficar onde estou”.
Alexandre Pinto está em contacto com a embaixada portuguesa, mas nem assim sente que estejam reunidas as condições para sair, pois sente que “falta apoio incondicional”.
“Da embaixada precisamos de respostas mais claras. Recebemos um e-mail a indicar pontos de encontro, mas precisamos de entender o que são esses pontos de encontro. Um é uma fábrica que faz equipamentos cirúrgicos e o outro uma espécie de estalagem. Chegamos lá e então, o que se passa depois? Quem é que vai pagar a conta? Vamos lá ficar quanto tempo? Como é que a gente vai ser transportada para a fronteira? Vamos ficar em 10 km de fila à espera? Temos um avião programado na Polónia que nos leve para casa?”. Alexandre Pinto acumula perguntas que considera “legitimas” e que, defender, “têm que ser respondidas para que a gente possa equacionar tomar uma decisão”.
O empresário partilha o sentimento geral na Ucrânia de que o país está sozinho e adianta que é preciso firmeza nas sanções para que a população e tropas russas percebam o que se passa.
Alexandre Pinto diz que não há força para se avançar com um bloqueio Swift à Rùssia, ou seja, retirar o país de Putin da sociedade, com sede na Bélgica, que atua como uma espécie de fundação para o sistema bancário internacional, ligando cerca de 11 mil bancos, firmas e empresas em 200 países.
“Só mesmo se fossem feitas efetivas sanções à Rússia para que o povo russo perceba o que se está a passar, porque existe muita contrainformação do lado de lá e o povo não sabe bem o que se está a passar e só quando sentirem na pele aí podem começar a revoltar-se”, argumenta. Alexandre Pinto diz que “há muitos militares na Rússia que são contra isto, que já começaram a falar que não querem ver a Europa contra a Rússia”, mas, diz, “Putin percebe que a Europa está dividida por muitos interesses, ninguém tem a força anímica de fazer um bloqueio Swift”.
“Há muito dinheiro da Rússia para pagar à Europa, portanto, os interesses são bastante grandes e quem paga? Paga sempre o mexilhão, como a gente diz em Portugal, e a Ucrânia neste aspeto é o elo mais fraco”, afirma.
Olhando para a atual situação militar, Alexandre Pinto antevê que no espaço de dois ou três dias as tropas russas devem dominar a capital Kiev, mostrando-se chocado com o que vê.
“Como é que se explica que tenhamos helicópteros de combate russos a sobrevoar a 30 quilómetros de Kiev? Esta noite caíram misseis quase no centro da cidade… São sete quilómetros em linha reta de onde as bombas caíram em zonas residenciais, prédios”, lamenta.
Alexandre Pinto diz que “este é um plano que se previa podia acontecer que é fechar a zona sul da Ucrânia para o mar. É um estrangulamento que está a acontecer”.
“Aqui perto de mim em Carcóvia, estou a 130 quilómetros, os tanques estão lá. As pessoas passaram a noite nos metros. Eles estão a fazer um círculo cada vez mais fechado para chegar a Kiev e muito honestamente e, com muita tristeza, digo que isso pode acontecer dentro do espaço de dois ou três dias”, remata.
Está no centro da Ucrânia, em Poltava, cidade onde(...)