25 fev, 2022 - 15:00 • Inês Rocha
As guerras já não se combatem apenas com tanques, exércitos no
terreno e mísseis. Acontecem também nas “trincheiras” da internet - e a
Rússia é líder neste campeonato.
É por isso que o Governo ucraniano está à procura de “hackers” para combater na guerra cibernética, como anunciou o jornal "The Kyiv Independent", esta sexta-feira, no Twitter.
E que o grupo hacker "Anonymous" declarou guerra à Rússia.
Nos últimos dias, foram alvo de ciberataques bancos ucranianos e vários "sites" do Governo daquele país.
Na quinta-feira, o "Kyiv Post", o mais antigo jornal ucraniano escrito em inglês, anunciou estar a ser alvo de “constantes ciberataques”.
Na quarta-feira, a agência de cibersegurança da Austrália avisou as empresas e instituições que as sanções à Rússia levarão,inevitavelmente, a novos ataques informáticos. E em Portugal, há quem considere que os ciberataques recentes podem ter relação com o conflito que ocorre na Ucrânia.
O que está a acontecer é uma “guerra híbrida” - um conceito que surgiu no início do séc. XXI e que tem vindo a ganhar força nos últimos anos.
“Este tipo de ataques servem não só para atacarem o alvo, mas também para distrair e são, de facto, excelentes distrações para o que se está a passar”, diz Rita Costa, investigadora em Relações Internacionais.
Não existe uma definição consensual sobre o que é uma guerra híbrida, mas, habitualmente, descreve uma guerra que combina meios convencionais e não-convencionais, que podem envolver ameaças económicas, ciberataques e desinformação.
“No momento atual, o que estamos a ver na Ucrânia é uma invasão, que seria considerada uma guerra convencional”, explica Rita Costa, colaboradora do Instituto da Defesa Nacional que estudou o fenómeno. “Mas o que se está a passar no momento já tem muitos antecedentes que não são tão visíveis para o público em geral e que, muitas vezes, também não são discutidos nos media”, acrescenta.
Numa guerra híbrida, são combinadas estas várias estratégias. Um dos principais objetivos é destabilizar os governos oponentes e as suas instituições, “criando o caos e um vazio de poder”.
Antes da guerra propriamente dita, pode haver uma “ameaça híbrida”. No caso da guerra que se desenrola agora na Ucrânia, “já houve várias ações pela parte da Rússia na Ucrânia que foram testando os limites do direito internacional”, diz a especialista.
“Tanto no reconhecimento mais recente das províncias no leste da Ucrânia, como na própria questão da Crimeia, os âmbitos e os trâmites do direito internacional são explorados de forma a que não sejam vistos como uma 'agressão'.!
“O ponto principal de uma ameaça híbrida é mesmo evitar a atribuição e a retaliação”, explica a investigadora.
As táticas englobadas nas ameaças híbridas já existem há algum tempo - já na Guerra Fria, “as ameaças híbridas eram bastante prevalentes, tanto do lado americano como do lado da União Soviética”.
No entanto, o termo é recente - tem sido usado nos últimos 20 anos. Surgiu para descrever o que se passava no Afeganistão e no Iraque, mas ganhou importância em 2014, com a anexação da Crimeia e a intervenção militar russa no leste da Ucrânia. Na altura, a NATO classificou esta intervenção como uma “abordagem híbrida à guerra” e a atribuiu-lhe elevada importância na preparação do combate às futuras ameaças da Aliança.
“Precisávamos de um nome novo para descrever uma situação que, apesar de ser bastante antiga, tem no momento atual consequências e formas de atuação completamente diferentes de uma altura em que a tecnologia não estava tão desenvolvida”, explica Rita Costa.
Para a investigadora, a confrontação em curso entre russos e ucranianos pode ser considerada uma guerra híbrida “sem dúvida alguma”.
“Não começou só com a invasão. Como a questão da Crimeia - mesmo antes da invasão da Crimeia pela Rússia, já tinha havido várias ações, que em termos militares se chamam “PSYOPS” [operações psicológicas], com vista a manipular a população local, com vista a criar um sentido de pertença ao povo russo”.
“A propaganda russa é, de facto, bastante forte e, como se tem visto nos últimos tempos, a Rússia é, de facto, um dos principais atores híbridos, atualmente."
Além do ciberataque “massivo” que, nos últimos dias, atingiu bancos ucranianos e "sites" governamentais, incluindo do Ministério dos Negócios Estrangeiros do país, Rita Costa identifica outra tática no conflito russo-ucraniano: “A desinformação russa, tanto nas redes sociais como através dos media nacionais russos."
“Acredito, de resto, que estejam a acontecer muito mais coisas, mas apenas a inteligência terá conhecimento disso e, mesmo assim, não de todas. Porque estas ameaças são mesmo feitas para não poderem ser detetadas ou sequer atribuídas a ninguém”, explica.
O tema tem sido alvo de alguma especulação, com alguns especialistas a verem uma ligação entre o aumento dos ataques cibernéticos em Portugal e a escalada de tensão na Ucrânia.
Na opinião de Rita Costa, “poderá estar relacionado”. No entanto, a investigadora tem dúvidas que os ataques possam ser atribuídos à Rússia. “Acredito que possam ter sido feitos por russos, até porque os russos, sem dúvida, têm a maior capacidade atual em termos de ataques cibernéticos, têm uma escola já muito antiga no país”. No entanto, não lhe parece que o alvo russo seja Portugal.
“Se tivessem sido a nível europeu, seria muito mais plausível. Agora, sendo, principalmente, a nível português, apesar de fazemos parte da União Europeia, não somos uma das grandes potências europeias nem temos um grande poder sobre a mesa da União Europeia ou mesmo da NATO”, considera a investigadora.
Elsa Veloso considera que, numa "leitura dinâmica"(...)
A melhor forma de combater este tipo de investidas não convencionais, mais difíceis de antecipar, é através da prevenção, com cooperação internacional e reforço da segurança.
“A atual estratégia da União Europeia baseia-se, acima de tudo, na criação de resiliência”, diz Rita Costa. “Eu acho que isto é um ponto importante. Estamos a falar de ameaças cujos objetivos não são tão claros assim. Muitas vezes, o objectivo é mesmo criar confusão e de alguma forma criar uma desconfiança nos processos de decisão”.
O combate passa também pela educação das próprias populações, pelo acesso a informação de qualidade e uma educação para este tipo de questões. “Acho que vai ser, sem dúvida, das principais e mais importantes medidas de combate nos próximos tempos."
Ainda assim, a investigadora nota que a estratégia da UE é ainda “bastante reativa” - é necessário “chegar a um ponto em que conseguimos agir antes das ameaças já se tornarem proeminentes e de facto serem problemáticas”.