04 mar, 2022 - 09:56 • Lusa
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Médica no Hospital Militar da Ucrânia, Tatiana Ivanska recusa deixar o país onde os dias se passam a tratar soldados feridos, entre os quais russos, e apoiar os civis que resistem à guerra.
Uma semana depois de as tropas russas terem invadido o país, no Main Military Clinical, em Kiev, são cada vez mais os soldados a precisarem de assistência no hospital onde a médica garante tratar "os soldados russos da mesma forma que são tratados os ucranianos, mesmo que não seja essa a atitude que o exército russo tem para com o povo deste país".
É "uma questão de humanidade" para a qual, mais do que o juramento médico, pesa "o coração que chora ao ver que os soldados russos são cada vez mais novos, alguns com 18 e 19 anos, que nem sabem porque estão nesta guerra".
Alguns, disse a médica à Lusa em entrevista telefónica, "pensavam que iam para exercícios de treino e acabaram aqui, nesta guerra que os deixou feridos neste hospital".
E perante esse cenário "sente-se muita pena ao pensar nos soldados ali deitados, ao lado dos filhos da Ucrânia, também são filhos, só que de outra mãe".
No hospital onde "as reservas de oxigénio estão controladas" não falta também o sangue, cujas "doações têm sido constantes, por parte dos voluntários que se mantém em Kiev, mas também "as muitas pessoas que se vão deslocando de outras cidades, dispostos a lutar e proteger a sua terra", relatou.
A mesma determinação que faz com que no hospital militar "não faltem médicos nem pessoas para trabalhar", mesmo nos dias em que os bombardeamentos tornam perigosas as deslocações.
"Muitas pessoas, se sentem que a estrada pode estar cortada, ou que não vão ter transportes, ficam a dormir no hospital para garantir que no dia seguinte estarão lá para trabalhar" outros, conta Tatiana Ivanska, "andam quilómetros a pé até chegarem ao metro, vão até podem de metro, e se for preciso voltam a fazer o resto a pé", disse.
Segundo Tatiana Ivanska, "há um enorme sentimento de união e de unidade entre as pessoas, todos querem lutar pela sua terra, uns com armas, outros com aquilo que sabem fazer".
Aos 60 anos, já com idade para se reformar, a médica reiterou que a cultura da Ucrânia é a de "um povo livre, que pode criticar, dizer que não concorda, sem ser preso ou torturado".
"Não vamos aceitar que nos tirem a liberdade", sublinhou Tatiana Ivanska que já recusou seis oportunidades de sair da Ucrânia. "Nasci na Ucrânia e vou morrer na Ucrânia", diz.
"Enquanto houver um ferido para tratar, vou cumprir a minha missão, entregando a Deus o meu destino, porque Deus está do lado da verdade e protege quem faz o bem", defendeu.
Ao trabalho no hospital, Tatiana Ivanska soma o voluntariado levando bens essenciais a quem precisa, apoiada pela filha, que em Portugal divulga os apelos nas redes sociais.
Em Kiev, contou, "não falta comida, nem produtos de higiene", mas "muitas pessoas idosas não têm condições de ir para as filas comprar os que precisam, ou à farmácia em busca medicamentos".
Por isso, Tatiana, que vive há nove anos em Portugal, voluntaria-se diariamente para, no percurso entre o trabalho e a casa, fazer chegar a essas pessoas aquilo que precisam.
Marina Ivanska faz apelos através das redes sociais em que "uma pessoa divulga a zona onde está e o que precisa" e outras "divulgam que estão em determinada zona e podem fazer entregas neste percurso".
Desta forma, a partir de Portugal, empenha-se também nesta causa, a par com a recolha de bens para os refugiados.
"Vou às redes sociais procurar apelos, mando para a minha mãe e para outros contactos, divulgo no facebook e no instagram, e depois, eles lá, combinam pontos de encontro para entregar as coisas", explicou.
Separadas por mais de quatro mil quilómetros, mãe e filha partilham ao telefone "a incrível solidariedade que une as pessoas", como a idosa que, quase sem comida em casa convida Tatiana "a entrar e comer com ela", conta Marina, acrescentando que a mãe recusa a refeição acedendo apenas a entrar para "rezar uma oração e ir embora".
Rezar, é por estes dias a receita de Tatiana "quando se ouvem os bombardeamentos", preferindo "ficar em casa a ir para o abrigo". A guerra, vincou Tatiana, "uniu as pessoas de diferentes crenças, que rezam em conjunto, em vários locais da cidade, onde há muitas igrejas".
A guerra, que faz da médica uma voluntária que apoia civis fora do horário laboral, é a mesma que a leva, aos fins de semana, a juntar-se a uma brigada de pessoas que percorrem a cidade à procura de marcas alegadamente deixadas por infiltrados russos e que sinalizam edifícios para bombardear.
O grupo "vai tapar essas marcas, ou pintá-las, para evitar que esses locais sejam atacados" ou ainda, "falar com as pessoas, perguntar se houve movimentações estranhas, fazer o que seja preciso para defender a cidade".
Já a Tatiana defende-a a fé com que entrega "a vida nas mãos de Deus" e a crença de que "a Ucrânia vai vencer esta guerra". "Não tenho medo", declarou, convicta que "Deus vai ajudar este país, que não começou esta guerra e só está a defender os seus ideais".
Marina não tem tanta fé e a cada vez que a mãe não atende o telefone sente "no coração uma enorme vontade de que ela venha para Portugal". Mas depois, "ela atende e mesmo que a situação esteja má faz uma voz animada". A filha responde no mesmo tom. E à vontade de a ver a salvo, sobrepõem-se "um enorme orgulho" pela coragem da mulher que não desiste de lutar.