22 mar, 2022 - 08:33 • Olímpia Mairos
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Mstyslav Chernov e Evgeniy Maloletka são ucranianos e fotojornalistas freelancer da Associated Press (AP). Foram os únicos, desde o dia 23 de fevereiro, a relatar a destruição e as mortes na cidade de Mariupol que tiveram que abandonar a 15 de março.
Mstyslav Chernov relata, agora, num texto publicado na AP, a perseguição de que foram alvo e os motivos que os levaram a sair da cidade, onde praticamente não há comunicações e a comida escasseia. Alegadamente, os dois fazem parte da lista de inimigos do exército russo.
“Nós éramos os únicos jornalistas, com ligações internacionais, que restavam na cidade e estávamos a documentar o cerco pelas tropas russas. Estávamos dentro do hospital quando homens armados começaram a perseguir-nos pelos corredores. Cirurgiões deram-nos panos brancos para nos escondermos”, conta.
Os dois jornalistas só perceberam que tinham de sair dali quando os soldados ucranianos perguntaram: “Onde estão os jornalistas, pelo amor de Deus?”.
Depois, as tropas ucranianas levaram-nos através de um corredor humanitário para longe da cidade, tendo-lhes sido dito que, caso tivessem sido encontrados pelos russos, o mais provável era serem forçados a desmentir todo o material recolhido e divulgado e a dizer que tinham manipulado tudo.
“Só aí é que percebemos porque é que os ucranianos colocaram as vidas dos seus soldados em risco para nos tirar do hospital”, escreveu Chernov.
Desde que chegaram a Mariupol, no momento em que as tropas russas invadiram a Ucrânia, a 23 de fevereiro, os jornalistas foram denunciando o cenário de caos e de sofrimento naquela cidade.
Além das fotografias e dos vídeos publicadas pela AP, também nas suas redes sociais foram divulgando o que estava a acontecer.
Foi Chernov que avançou a notícia de que a mulher que foi retirada do interior da maternidade de Mariupol depois dos bombardeamentos, assim como o seu filho, não tinha conseguido sobreviver. E Evgeniy Maloletka foi o autor das fotografias da destruição da maternidade e dos rostos das mulheres e crianças que estavam lá, entre os escombros.
Foram também os dois profissionais que mostraram a destruição do teatro de Mariupol, onde se encontravam centenas de pessoas abrigadas dos bombardeamentos.
O jornalista Chernov conta que cerca de um quarto dos 430.000 residentes de Mariupol saíram nos primeiros dias da invasão. Embora poucas pessoas acreditassem que uma guerra estava a chegar à cidade, quando a maioria percebeu, já era tarde de mais.
“Os russos cortaram eletricidade, água, suprimentos de comida e, finalmente as torres de comunicação, rádio e televisão. Os poucos outros jornalistas que se encontravam na cidade saíram e instalou-se um bloqueio completo”, relata.
Para o jornalista a ausência de informação tem dois objetivos: o pânico e a impunidade.
“As pessoas não sabem o que está acontecendo, e entram em pânico. No início eu não conseguia entender por que Mariupol desmoronou tão rapidamente. Agora sei que foi por falta de comunicação. A impunidade é o segundo objetivo. Sem informações, sem fotos de prédios demolidos e crianças a morrer, as forças russas poderiam fazer o que quisessem. Se não fosse por nós, não se saberia nada”, escreve.
No artigo publicado esta segunda-feira, Mstyslav Chernov, que já fez a cobertura de guerras no Iraque e no Afeganistão, diz que os médicos pediam que filmassem “as famílias a levar os seus próprios mortos e feridos”.
“Muitas pessoas vieram ter comigo e disseram: por favor, filme-me para que a minha família que está fora da cidade saiba que estou vivo”, conta
Mstyslav Chernov fala também do cenário dramático que se vive no único hospital que existe agora em Mariupol, e que mostrou ao mundo através de um vídeo.
“Serve de centro de emergência, de maternidade e de morgue”, revela.
O jornalista destaca a coloração dos militares da Ucrânia – fundamental – sem a qual não poderiam ter desenvolvido o trabalho que deu a conhecer ao mundo os horrores da guerra.
Segundo Chernov, “os militares ucranianos colocaram as suas vidas em risco para que nós pudéssemos carregar as máquinas ou ter acesso à internet”.
E assim durante três semanas, os dois jornalistas deram a conhecer o que estava a acontecer na cidade portuária, um ponto estratégico para Moscovo pela sua localização uma vez que está situada junto ao Mar de Azov e a meio caminho entre Donbass e a Crimeira, duas regiões já controladas pelos russos.
O pároco já não se encontra na cidade, mas dá cont(...)