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​"Putin não vai parar na Ucrânia. Nós, polacos, podemos ser os próximos"

25 mar, 2022 - 14:30 • José Pedro Frazão

Os receios de uma possível invasão russa subsistem no subconsciente polaco. No dia em Joe Biden visita a cidade de Rzeszow, a meio caminho entre Cracóvia e a fronteira com a Ucrânia, o tema da segurança face às ameaças de Putin cruza-se com o desafio humanitário. Um dos políticos da nova geração polaca, militando em forças independentes, pede à União Europeia que não esqueça as violações do Estado de Direito na Polónia quando estiver a ajudar Varsóvia a lidar com a crise de refugiados.

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Lukasz Gibala é um político liberal com um currículo multifacetado. Doutorado em Filosofia, tem uma visão liberal e ecológica sobre a sociedade. É empresário, mas já foi deputado no Parlamento polaco e é vereador em Cracóvia onde desenvolve a sua carreira política depois de ter sido derrotado nas autárquicas à frente de um movimento independente de cidadãos.

Como empresário, produz pavimentos ecológicos e exporta filamentos para mais de 40 países, incluindo uma remessa recente para o exército ucraniano. Por curiosidade, assegura que nunca fez negócios com a Rússia, até para estranheza do próprio. O seu pensamento está alinhado com o consenso na sociedade polaca sobre o acolhimento dos refugiados ucranianos.

"Nos últimos tempos, a integração foi muito boa. Muitos ucranianos trabalham em restaurantes polacos, em táxis, também em fábricas. E são bons trabalhadores, tentam integrar-se no povo polaco. E temos linguagens e culturas muito parecidas, um olhar muito semelhante. É mais fácil quando não há grandes diferenças", afirma Gibala à Renascença, numa nota de satisfação pela resposta da sociedade polaca ao enorme afluxo de ucranianos.

Mais de dois milhões de refugiados passaram a fronteira para a Polónia e alguns analistas sugerem que o número de ucranianos que deverão ficar no território é equivalente a metade desse contingente. Os ucranianos foram chegando ao longo das últimas décadas, reforçando o mercado de trabalho polaco, incluindo no contexto de deslocação forçada pelos combates no Leste da Ucrânia.

A proximidade cultural e geográfica com a Ucrânia não é pormenor menor no enquadramento político e social do acolhimento de refugiados. Gibala lembra que não houve esta unidade entre os polacos quando se tratou de acolher refugiados da Síria e de países árabes. "Agora estou feliz porque acho que isso acabou. Acho que não há mais divergências. Os ucranianos tornaram os partidos políticos unidos quanto à área de imigração", sustenta este liberal de Cracóvia.

Apelo à união contra Putin

O Governo de Varsóvia tem sido muito incisivo na necessidade de garantir o reforço de segurança do país através dos Estados Unidos e da NATO face à ameaça russa. A Polónia é também um aliado central do ponto de vista militar e agora também humanitário para Washington e para a Europa. Sinal disso mesmo, Joe Biden visita hoje a base militar de Rzeszow, situada a 100 quilómetros da fronteira, onde se encontrará com o presidente da Polónia e com as tropas norte-americanas que ali desembarcaram.

O receio de um expansionismo decretado por Putin é evidente em múltiplos discursos políticos. Lukasz Gibala partilha desses sentimentos e considera que a ajuda dos restantes parceiros europeus à Polónia é essencial nesta crise.

"Entendemos que a Rússia não pára na Ucrânia. Nos últimos 20 anos, a Rússia tentou expandir-se primeiro com a Chechénia, depois com a Geórgia, agora com a Ucrânia. E por isso talvez sintamos que os polacos podem ser os próximos ", diz Gibala para justificar assim a abertura dos polacos em ajudar os ucranianos como se Putin fosse um "inimigo comum", recusando confundir o Presidente com o povo da Rússia. " Putin tem um comportamento muito agressivo e acho que todos devemo-nos nos unir porque, só por si, os polacos, os ucranianos ou os portugueses não conseguiriam vencer Putin, mas conseguiremos travá-lo se estivermos unidos".

Bruxelas e os problemas com Varsóvia

A posição crucial que a Polónia ocupa no conflito pode colidir com os conflitos abertos entre Bruxelas e Varsóvia no plano do Estado de Direito, com acusações externas de interferência política interna no poder judicial. Lukazs Gibala diz que o seu país é "semi-democrático porque quando os tribunais são controlados pelos governos não há uma democracia completa". O político e empresário de Cracóvia está a favor de uma intervenção firme da União Europeia que impeça o governo polaco de "capturar o poder judiciário"

"Espero que o Governo polaco chegue a um acordo com a União Europeia e que volte atrás nas suas reformas do sistema judiciário. Porque se não o fizerem, então não teremos dinheiro da União Europeia nos próximos anos. É o futuro da União Europeia que está em jogo, porque se Bruxelas abrir mão dos valores democráticos na Polónia, outros países em circunstâncias de crise após crise vão obrigar a mais e mais exceções. E assim não teremos valores comuns na União Europeia", alerta Gibala em entrevista à Renascença.

Empregos e Educação para ucranianas

Para a Polónia sobram grandes desafios sociais e económicos decorrentes desta vaga, sobretudo ao nível da educação e do mercado de trabalho. A chegada de muitas crianças ucranianas às escolas polacas, levará ao problema da integração dessas crianças.

"Teremos que encontrar professores que comunicam em ucraniano, porque provavelmente a maioria das crianças não falará polaco. Esse é o grande problema. O segundo problema é que não há homens nos refugiados que chegam à Polónia. As famílias estão separadas. E essas mulheres vão precisar de muita ajuda. E com os homens a morrer na Ucrânia, haverá outra pressão psicológica sobre elas. Então, sim, será muito difícil", reconhece o vereador independente de Cracóvia, uma das cidades com maior percentagem de ucranianos na Polónia.

Lukasz Gibala é dono de uma pequena fábrica fora de Cracóvia. Conta-nos que não contrata mulheres para linha de produção porque o trabalho exige tanta força física, que não sente capacidade para empregar uma mulher.

"Isto mostra que não é tão fácil de encontrar esse trabalho para as mulheres. Elas são trabalhadoras e há naturalmente muitos empregos para os quais estão aptas. Têm que começar a aprender polaco porque se uma mulher ucraniana for empregada de mesa ou de uma loja então terá que comunicar. Novamente, estamos perante um problema de educação porque, se ela tiver 30 ou 40 anos, não aprende o idioma de forma tão rápida quanto as crianças. Temos portanto muitas perguntas sem respostas fáceis nesta crise", remata uma das estrelas locais dos liberais independentes da Polónia.

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