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Autarca de Lviv à Renascença. “Esperamos 20 mil a 30 mil feridos nesta guerra”

03 mai, 2022 - 08:59 • José Pedro Frazão , enviado especial à Ucrânia

A Renascença voltou a entrevistar o presidente da Câmara de Lviv. Dois meses após uma primeira conversa em plena crise de refugiados, no início da guerra, Andrii Sadovi quer agora construir um centro nacional de reabilitação para que os feridos da guerra com a Rússia possam ser tratados em Lviv. O autarca rejeita a ideia de que os russos nunca irão invadir a cidade e defende que esta deve preparar-se para esse cenário.

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O comercio abriu decisivamente em Lviv, uma cidade fortemente virada para a cultura e para o turismo. No último fim de semana, as ruas do centro encheram-se de gente de todas as gerações com um tempo ameno a levar a enchentes nas esplanadas e nos cafés. A operação humanitária continua centrada na estação ferroviária onde chegam todos os dias centenas de pessoas vindas de todas as regiões da Ucrânia. Mas o contingente de permanências estabilizou através de uma gestão intermunicipal que ajudou Lviv a suportar o impacto de tanta gente em fuga do Leste para o Oeste da Ucrânia. Dois meses depois do início da Guerra, volto a encontrar-me com Andriy Sadovi, o presidente da câmara de Lviv no seu espaçoso gabinete.

A cidade está bastante diferente dos primeiros dias de março e da invasão. Na altura descreveu Lviv como um grande centro humanitário. Como a classifica agora?

Nessa altura viu muitos refugiados em Lviv. Hoje temos mais pessoas nessa condição do que tínhamos nessa altura. Começámos a construir casas provisórias para os refugiados e a criar habitações em madeira para acomodar as mulheres que estão grávidas. Todos os dias Lviv acolhe pessoas feridas. Hoje em dia temos 1.000 feridos em Lviv entre mulheres, crianças e homens de outras partes da Ucrânia. Vêm em comboios especiais para transporte com cuidados médicos. A minha responsabilidade e o meu dever é dar-lhes o máximo apoio. Temos um enorme projeto com a Cruz Vermelha. Queremos construir um centro nacional de reabilitação de feridos, mas esperamos 20 mil a 30 mil feridos quando acabar esta guerra. Nestes dois meses de agressão russa, eles mataram mais pessoas do que nos últimos 8 anos, maioritariamente civis.

Quantos deslocados internos tem, neste momento, em Lviv?

Temos uma boa coordenação com os presidentes de câmara de outras cidades da Ucrânia Ocidental. Neste momento temos mais de 200 mil. Todos os dias Lviv acolhe 2.500 pessoas, das quais 1.000 ficam na cidade de Lviv, outros 1000 vão para a União Europeia e 500 ficam em toda a região de Lviv.

Durante as últimas semanas Lviv foi atingida várias vezes. Está a preparar-se sobretudo para bombardeamentos aéreos e menos para uma invasão terrestre no cenário de eles não virem dessa forma?

Hoje em dia todas as cidades na Ucrânia estão numa situação semelhante. Não sei qual é o próximo alvo dos mísseis russos, mas em Lviv devemos trabalhar três vezes mais. Você esteve em Kharkiv ou em Chernihiv e pode comparar a nossa situação com a deles. Nós devemos receber mais feridos e mais refugiados. É o nosso dever dar o máximo apoio ao exército ucraniano e à nossa vitória.

Naquela altura estava muito confiante na vitória. O seu espírito é ainda mais forte neste momento?

Sou pela vitória, pelo otimismo e por nunca desistir. Quero apenas e só a vitória.

"Queremos construir um centro nacional de reabilitação de feridos, mas esperamos 20 mil a 30 mil feridos quando acabar esta guerra."

O que aconteceu a esta parceria com Portugal e com a associação portuguesa de municípios?

Sei que o Governo português apoia a Ucrânia, mas estou disponível para receber políticos portugueses, autarcas. Posso mostrar a situação atual em Lviv e talvez possamos até ter geminações com cidades em Portugal.

Como tem sido a resposta dos presidentes de câmara em tempo de guerra e em especial no Leste da Ucrânia?

Os autarcas do Leste estão a passar por momentos terríveis e por um tempo de grande dureza. Recebemos ajuda humanitária dos nossos parceiros europeus, mas 90% é enviado para Kharkiv, Nikolaev ou Chernihiv. Esse é o meu dever. Penso que eles estão a passar por tempos muito duros. Só um presidente da câmara consegue entender os outros autarcas. É uma enorme responsabilidade. Hoje temos aqui em Lviv mais uma cidade do que tínhamos, pois muita gente que vem de Kharkiv, Nikolaev, Odessa, Mariupol ou Melitopol. Todas as cidades e todo o país está hoje em Lviv.

Fala regularmente com eles?

Sim. Todos os dias. Falo, por exemplo, com o presidente Klitschko de Kiev ou o presidente de Nikolaev a quem mandei um equipamento especial para filtrar água. Falo também com o presidente Boychenko, de Mariupol. São todos meus bons amigos. Estamos em constante coordenação.

A situação do seu colega autarca de Mariupol é muito difícil…

Sim, neste momento ele está em Zaporíjia. Ele está a dar o máximo pelos cidadãos que estão neste momento em Mariupol. É uma situação muito difícil. Todo o mundo neste momento está a pensar em Mariupol. O Papa Francisco apelou três vezes a Putin sobre as pessoas de Mariupol, mas ele não quis saber. Os corredores humanitários são uma boa ideia, mas precisamos da vontade dos agressores russos. Para mim a Rússia hoje em dia não é um país sério e Putin é como Hitler.

O problema é a figura de Putin ou uma cultura russa que se estende pela política?

Os soldados russos são um produto da cultura russa. Hoje em dia todo o mundo deve bloquear ao máximo as organizações não-governamentais russas e as organizações culturais russas.

A vitória da Ucrânia é uma oportunidade para o bem. Temos dois sistemas em luta, o totalitário contra o democrático. Devemos golpeá-lo e só a vitória interessa. A situação na Rússia, neste momento, é de loucura.

"Putin é como Hitler. Ele é um louco que matou milhares e milhares de pessoas."

Mas é um problema de uma personalidade ou de um círculo mais alargado de pessoas?

Isso é uma pergunta para médicos de saúde mental. Ele é um louco. Ele matou milhares e milhares e milhares de pessoas do nosso povo.

Está satisfeito com a resposta da União Europeia?

Está a melhorar de dia para dia. Temos o apoio militar da Nato e dos Estados Unidos e acho que ao fim de dois meses os líderes na União Europeia já têm um bom entendimento da situação. A entrada na EU seria uma boa decisão para os ucranianos e para a Europa no seu conjunto.

Quando acha que poderemos visitar Lviv como turistas sem pensar na guerra? Será possível que isso aconteça no Verão, por exemplo?

Receberei os meus convidados apenas depois da guerra. Antes da pandemia tínhamos aqui 2,5 milhões de turistas todos os anos. Hoje, recebemos aqui refugiados, diplomatas como a embaixadora dos EUA que está de regresso o que é muito bom.

Mas acha que poderei visitar Lviv como mero turista no Verão?

Não sei, depende da situação no Leste. Eu acredito que o nosso exército é muito forte.

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