07 jul, 2022 - 14:19 • Lusa
O presidente da Assembleia da República afirmou esta quinta-feira que a influência de outras potências na América Latina está a tornar a presença da Europa “mais difícil”, apelando a que não se crie “uma espiral negativa”.
“Nós, europeus, não gostamos de praticar uma política de exclusão. Quer dizer, o facto de estarmos presentes não significa que outros não possam estar presentes, mas o que tem acontecido na América Latina não é isso: o que tem acontecido na América Latina é que a Europa estar menos presente, e em consequência outros estarem mais presentes, (…) torna a presença da Europa mais difícil”, afirmou Augusto Santos Silva.
O presidente da Assembleia da República falava no Grémio Literário, em Lisboa, no âmbito de um almoço com um grupo de embaixadores latino-americanos acreditados em Portugal, onde recebeu o prémio Instituto para a promoção da América Latina-Vista Alegre, que distingue personalidades que “se tenham destacado na aproximação das relações entre Portugal e a América Latina”.
Santos Silva, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros entre 2015 e 2022, apelou a que não se crie "uma espiral negativa, que prejudicará a América Latina e prejudicará a Europa”, caso os europeus descurem a sua presença naquele continente.
“Queria dizer isto, e com esta franqueza, porque me parece mesmo que é um momento em que todos nós devemos compreender isto”, enfatizou.
Santos Silva considerou existir uma “incompreensão” da parte das instituições europeias da “importância da ligação entre os dois continentes”, contrariamente ao que acontece na América Latina, onde se testemunha uma “enorme consciência da vantagem de ter uma ligação o mais profunda possível com a Europa”.
Para o ex-chefe da diplomacia portuguesa, a relação entre os dois continentes é “absolutamente necessária, em primeiro lugar para a Europa”, que é “seguramente um dos advogados e dos praticantes mais empenhados do multilateralismo”.
“Ora, não é possível praticar o multilateralismo se esquecermos esta ou aquela região e se descurarmos o relacionamento sólido, habitual, frutífero com todas as regiões”, destacou.
O presidente da Assembleia da República, que falava na qualidade de ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, realçou que a América Latina “merece uma atenção particular” para os europeus por “razões de ordem histórica, cultural e civilizacional”, mas também “em virtude das enormes afinidades estruturais que existem entre as duas regiões”.
“Quer estas profundas ligações históricas e culturais, quer estas afinidades evidentes, têm que ser respeitadas e têm que ser cultivadas. Ora, só podem ser respeitadas se forem transformadas, se forem traduzidas em relações fortes e quotidianas a todos os níveis, desde logo ao nível económico e comercial”, considerou.
Santos Silva abordou ainda o facto de, no próximo dia 07 de agosto, a Colômbia vir a ter “pela primeira vez uma afrodescendente como vice-presidente” – em referência a Francia Márquez – para ilustrar como as relações entre a América Latina e a Europa servem também para “potenciar outros relacionamentos”, designadamente com África.
“É impossível a Europa lidar com a América Latina se não incluir – no que então será uma triangulação – África. Incluiu-a historicamente, por razões ligadas a uma das opressões mais brutais que a humanidade já conheceu, mas deve incluí-la agora numa perspetiva de paz, de segurança mútua, de vantagens recíprocas, de crescimento económico e de gestão adequada da mobilidade humana”, defendeu.
“Para Portugal, que gosta de se caracterizar como um país europeu aberto ao mundo, essa abertura ao mundo é, ao mesmo tempo, uma abertura à América Latina e uma abertura a África”, acrescentou.
No final do discurso, rodeado por vários embaixadores da América Latina, mas também europeus e norte-americanos, Santos Silva salientou que, devido às circunstâncias, fez uma coisa de que não gosta: falar das áreas que tutelou.
“Prometo que, agora, só falarei na dimensão parlamentar, que também tem muito que se lhe diga”, disse, entre risos, antes de iniciar um almoço com os diplomatas, que qualificou de “amigos”.