08 jul, 2022 - 16:10 • Lusa
O investigador Fernando Jorge Cardoso considerou esta sexta-feira que a morte do José Eduardo dos Santos numa fase pré-eleitoral em Angola "significa problemas" para o MPLA, que poderá ter menos votos, nomeadamente do eleitorado fiel ao ex-presidente angolano.
Em declarações à Lusa a propósito da morte de Eduardo dos Santos, o investigador considerou que neste momento o nome do ex-presidente "não pode ser usado na campanha eleitoral, poderá ser um fator de algum desencanto por parte de algum eleitorado do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder] e poderá ser usado para diminuir a votação" no partido.
"A morte de José Eduardo dos Santos nesta fase significa problemas para o MPLA. [...] Isto não vem numa boa altura para João Lourenço", tendo em conta a "clivagem entre o grupo ligado a José Eduardo dos Santos e o atual Presidente", considerou.
Questionado sobre se pode beneficiar a oposição nas eleições gerais de 24 de agosto, Fernando Jorge Cardoso considerou que sim, mas de forma indireta.
"A oposição tem um problema, é que sempre foi coerente ao afirmar que José Eduardo dos Santos era o chefe do grupo que saqueou parte dos bens públicos angolanos, não estou a ver como a oposição pode aproveitar o nome de José Eduardo dos Santos a seu favor. É mais não funcionar a favor do atual Governo", justificou.
Obituário
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Sobre se a morte do antigo Presidente representa o fim de um ciclo, o especialista em estudos africanos considerou que não porque João Lourenço "fazia parte do grupo de José Eduardo dos Santos", apenas houve "uma cisão". Há sim "uma mudança no estilo de liderança, mas o MPLA continua no poder e é o mesmo MPLA".
Questionado sobre o legado de Eduardo dos Santos, Fernando Jorge Cardoso destacou que "foi o grande conciliador do MPLA quando foi nomeado presidente do partido por Agostinho Neto", o primeiro Presidente de Angola, em 1979, conseguindo "unir as várias correntes do partido".
Na altura, também "libertou os presos políticos e é um dos obreiros da paz, primeiro com Bicesse e depois com Lusaca, em 1994", referiu.
"Durante esse período, teve a sapiência de cooptar quadros fundamentais da UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola, oposição], nomeadamente 12 generais, que foram as figuras centrais da guerra civil", acrescentou.
No entanto, na primeira década deste século, José Eduardo dos Santos "vai aproveitar para si e para os seus amigos o grande crescimento económico de Angola", pelo que "vai seguramente ser considerado como o Presidente que após o final da guerra civil levou à criação de uma classe de oligarcas, constituídos por ele próprio, por elementos da família e por amigos".
Apesar disso, Fernando Jorge Cardoso considerou que o ex-presidente também acaba por transferir verbas para parte da população angolana, "que melhorou as suas condições de vida".
Com a baixa do preço do petróleo a partir de 2015, começam os problemas económicos em Angola e foi esta a situação herdada por João Lourenço, que quando chega ao poder "fica sem capacidade financeira para iniciar uma nova política económica, o que até agora ainda não conseguiu", disse.
"Angola vai fazer eleições quando não se sentem melhorias nos bolsos dos angolanos e João Lourenço está a tentar antecipar reservas para subsidiar a compra de alimentos por parte da população", acrescentou.
A presidência de Eduardo dos Santos teve assim aspetos positivos e negativos, mas a longo prazo, na história, considerou o investigador, prevalecerá o legado de "Presidente da paz".
José Eduardo dos Santos morreu hoje aos 79 anos numa clínica em Barcelona, Espanha, após semanas de internamento, anunciou a presidência angolana, que decretou cindo dias de luto nacional.
José Eduardo dos Santos sucedeu a Agostinho Neto como Presidente de Angola em 1979 e deixou o cargo em 2017, cumprindo uma das mais longas presidências no mundo, marcada por acusações de corrupção e nepotismo.
Em 2017, renunciou a recandidatar-se e o atual Presidente, João Lourenço, sucedeu-lhe no cargo, tendo sido eleito também pelo Movimento Popular de Libertação de Angola, que governa no país desde a independência de Portugal, em 1975.