09 jul, 2022 - 01:59 • Lusa
A filha do antigo presidente de Angola Tchizé dos Santos acusou hoje o atual chefe de Estado angolano de estar a tentar sobrepor-se à família, ao divulgar a morte de José Eduardo dos Santos e anunciar preparativos fúnebres.
Numa mensagem de voz enviada aos jornalistas, Tchizé dos Santos dirige-se diretamente ao atual Presidente da República e questiona: "O senhor é o quê ao meu pai? É filho mais velho? Quem lhe deu autorização, o desplante, para me estar a convidar para o funeral do meu próprio pai?".
Com várias críticas ao chefe de Estado, Tchizé dos Santos censura especialmente a divulgação da morte do pai, dizendo: "Ainda não sabia que o meu pai tinha morrido e o senhor já tinha publicado a morte do meu pai, quem lhe deu mandato para divulgar sem eu ter conhecimento ainda? Quem lhe deu mandato para dizer quem deve ir ou não ao funeral?", questionou a segunda filha mais velha, a seguir a Isabel dos Santos.
Em causa está um diferendo sobre onde deve ser realizado o funeral do antigo presidente angolano, enquanto os filhos querem que as cerimónias se realizem em Barcelona, o Governo angolano está a preparar as exéquias fúnebres, e já criou uma comissão composta por 11 ministros e a governadora de Luanda para organizar a cerimónia.
"Quem vocês pensam que são? Mandam no corpo de José Eduardo dos Santos? O cadáver pertence-lhe, senhor João Lourenço?", questionou Tchizé, na mensagem de voz a que a Lusa teve acesso, que concluiu: "Já não lhe chamo senhor Presidente, porque para mim deixou de o ser".
A declaração de Tchizé dos Santos surge depois de a Lusa ter noticiado, citando a sua advogada em Espanha, que os filhos vão bloquear a trasladação do corpo de José Eduardo dos Santos para Angola, argumentando que não era esse o desejo do pai, e surge pouco depois de o Presidente de Angola ter confirmado a intenção de organizar um funeral no país, com a presença de todos.
"Tchizé e os irmãos querem que se respeite a vontade do pai, que é não ser enterrado em Angola, mas sim em Espanha, porque não quer que o atual Presidente da República utilize o seu enterro com fins políticos", disse Carmen Varela à Lusa, acrescentando que, além disso, um enterro em Angola impossibilitaria o último adeus de vários familiares próximos, já que alguns dos filhos "não podem entrar em Angola e nem sequer têm passaporte angolano".
A advogada que representa uma das filhas de José Eduardo dos Santos, que morreu hoje depois de duas semanas internado numa clínica em Barcelona, confirmou que foi interposta uma providência cautelar no tribunal para que o corpo não seja trasladado para Angola e revelou que "a clínica Teknon disse-nos que o corpo não vai sair da clínica enquanto não houver ou uma ordem judicial ou um acordo entre todos os filhos".
À saída de uma reunião de emergência do MPLA, partido do poder e do qual José Eduardo dos Santos foi presidente emérito, João Lourenço afirmou: "Se tivermos em conta as atuais circunstâncias, não vemos por que razão a família que está lá fora não [possa] acompanhar o seu ente querido, estamos a contar com a presença de todos sem exceção de ninguém".
Depois da morte do ex-presidente angolano, hoje, aos 79 anos, em Barcelona, Espanha, permanece a incerteza quanto ao lugar onde será feito o enterro.
Tchizé dos Santos, que vive há vários anos fora de Angola, perdeu o mandato de deputada do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) em 2019 e afirma correr risco de vida no seu país, enquanto a irmã mais velha, Isabel dos Santos, também a residir no exterior, enfrenta vários processos judiciais e diz ser vítima de perseguição.
Questionado sobre as acusações das filhas mais velhas do ex-presidente, João Lourenço disse que o foco neste momento é a organização das exéquias e que é obrigação do executivo realizar um funeral de Estado.
"Nenhuma autoridade do país tem competência para impedir que um cidadão angolano que esteja a viver no exterior possa regressar ao seu próprio país, não importa em que circunstância", salientou o chefe do executivo angolano.
O chefe de Estado deixou ainda um apelo: "Para que encaremos este momento com a maior serenidade possível e que o povo siga, pela comunicação social, o programa das exéquias até que consigamos realizar o funeral de Estado a que ele tem direito e que é nossa obrigação enquanto executivo organizar".