04 ago, 2022 - 23:36 • João Carlos Malta
A tentativa de transferência para uma unidade de cuidados paliativos do menino britânico Archie é vista pela especialista em Bioética como o prolongar de uma situação que só poderá ter um desfecho.
“É o adiar de uma situação [inevitável]”, defende Ana Sofia Carvalho.
“Aquilo que a unidade de cuidados paliativos vai fazer é aquilo que uma outra unidade faria. A filosofia dos paliativos é não prolongar aquilo que não faz sentido do ponta de vista médico e do melhor interesse daquela pessoa”, acrescenta.
Os pais de Archie, esta quinta-feira, manifestaram vontade de que o rapaz passasse os últimos dias fora do hospital, numa unidade de cuidados paliativos.
Os médicos do Royal London Hospital consideram que a iniciativa prejudicaria os interesses da criança uma vez que iria contribuir para uma degradação mais acelerada das condições de saúde já muito precárias.
Reino Unido
Criança de 12 anos vai para uma unidade de cuidado(...)
Ainda assim, a especialista pensa que a transferência até podia ser positiva, porque “os cuidados paliativos não são só para os pacientes, mas para todo o ambiente familiar”.
“Isto também é um grito de alerta para um luto que está a ser muito complicado devido a todas as circunstâncias e à forma como aconteceu [a morte]”, acrescenta.
Transpondo o caso do menino de 12 anos para a realidade nacional e o que se poderia passar num hipotético caso em Portugal, Ana Sofia Carvalho diz que em relação à decisão seria absolutamente igual.
“Seria a mesma sem dúvida. Os critérios de vida e morte são usados em todo o mundo da mesma forma”, observa.
Agora a médica acredita que não viveríamos os mesmos contornos judiciais em relação ao processo.
“Não temos a tendência legalista de quando há conflito ser o tribunal que decide. Penso que eventualmente as coisas seriam feitas de outra forma, e não deixaria de estar no âmbito daquilo que é uma relação entre os médicos e os doentes”, defende.
A especialista em Bioética acredita que neste caso está a faltar “um acompanhamento no luto que está a ser descurado, e que aqueles pais precisavam nesta fase”.
“Falta diálogo e bom senso. Ser médico em situações de pediatria não é só ser médico da criança, é ser médico da criança e da família”.
Em relação ao caso, Ana Sofia Carvalho não tem dúvidas de que “Archie de acordo com aquilo que são os critérios científica e medicamente estalecidos de morte, está morto”.
“Atualmente, já desde a década de 1960, os critérios de morte deixaram de ser a morte cardiorrespiratória, para passar a ser morte do tronco cerebral”, argumenta.
No entanto, este caso tem uma grande carga dramática. “Os pais estão num luto muito difícil e não aceitam a morte daquela criança, e não querem que o suporte cardiorrespiratório seja retirado”, lembra.
Reino Unido
Presidente do Conselho Nacional de Ética para as C(...)
O rapaz sofreu graves danos cerebrais depois de ser encontrado pela mãe inconsciente e com uma ligadura na cabeça a 7 de abril, possivelmente depois de ter participado num desafio da rede social Tik Tok.
A mãe Hollie Dance acredita que o filho terá feito um desafio que consiste em cortar o fornecimento de oxigénio ao cérebro até se perder a consciência.
A criança foi transportada para o Royal London Hospital, em Londres, tendo sido diagnosticada com “morte cerebral”. Desde então para cá travou-se uma batalha judicial entre o hospital e os pais de Archie, que se recusam a aceitar a recomendação dos médicos para desligar as máquinas de suporte de vida que têm mantido os sinais vitais da criança, que está em coma há quase quatro meses.