22 ago, 2022 - 10:25 • João Cunha
Angola vai às urnas a 24 de agosto. De um ponto de vista geral, a campanha para as eleições em Angola decorreu, não com a carga de violência que muitos esperavam, mas teve, mesmo assim, momentos de muita tensão política, de conflitualidade e de troca de ataques ferozes de ambas as partes, principalmente por parte do partido do governo, o MPLA, e por parte das oposições, concretamente do principal partido da oposição, a UNITA.
"Digamos que, num primeiro momento, na quase generalidade da campanha - com exceção do último comício de encerramento feito pelo candidato do MPLA em Luanda -, foram feitos ataques dirigidos a UNITA e o seu líder, Adalberto da Costa Júnior", explica o jornalista angolano Mário Paiva.
"As pessoas, tanto a nível do espaço público e da sociedade civil, tomaram, digamos assim, nota negativa dos ataques proferidos em Benguela, onde João Lourenço acusou Adalberto Costa Júnior de estar ao serviço de uma agenda exterior de interesses não nacionais, sugerindo, inclusivamente, que os setores da sociedade civil que criticam e contestam o Governo, eventualmente acoplados à UNITA, seriam, passo o termo, bandidos".
Terá sido este um dos momentos de maior tensão, que depois se esbateu no comício de encerramento em Luanda, onde, numa mudança de estratégia, João Lourenço se focou mais a fazer um balanço dos seus cinco anos de mandato, elencando uma série de promessas na área económica e social para o futuro.
Quanto a outras forças políticas, "a coligação Casa Cheia, terceira força parlamentar, surpreendeu nas expectativas ao aumentar a sua popularidade e o seu impacto, depois das diversas dissensões que sofreu ao longo do último mandato, com a saída de Abel Chivukuvuku. E terá conseguido ao longo desta campanha um certo ressuscitar político e "espera-se que se não mantiver o mesmo resultado, o consiga aumentar".
Numa terceira linha viriam outros partidos. A histórica Frente Nacional de Libertação de Angola, que ficou enfraquecida ao longo dos últimos anos devido a diversas ruturas internas, que tentou reconciliar-se, chamando algumas das suas principais figuras para esta campanha "para ver se consegue sobreviver politicamente".
Mário Paiva indica ainda que o Partido da Renovação Social "é um partido com grande apoio nas províncias do leste de Angola, o único partido que defende o federalismo e tenta também recuperar, uma vez que ficou reduzido nas últimas eleições de 2017 a 2 deputados".
Seguem se outras forças políticas como o Partido Humanista de Bela Malaquias, uma dissidente da UNITA. Bem como o Njango, partido de Beto Chinguji, também outro dissidente da UNITA, "que são partidos percebidos em grande medida pela opinião pública como artificialmente promovidos, alegadamente pelo regime, numa estratégia de dispersão de voto e que, portanto, tem na sua coutada um eleitorado mais básico".
Mas não se espera grande coisa desses partidos, uma vez que são colocados justamente mais a partir da disposição do voto no seio do tradicional eleitorado da UNITA.
Esta campanha ficou marcada, em primeiro lugar, pela ausência de debates diretos entre os candidatos presidenciais.
O debate anunciado para hoje na Universidade Católica seria entre os diversos candidatos, incluindo naturalmente o candidato do MPLA, João Lourenço.
"Não acredito que ele venha. Não acredito, porque se não veio até hoje, dificilmente comparecerá. Não temos essa confirmação e não acreditamos porque, portanto, evitar o debate tem sido a estratégia da campanha de João Lourenço", explica Mário Paiva.
De resto, na narrativa política angolana, pós-partido único, o debate não faz parte das tradições.
E numa análise fria, "digamos que João Lourenço, em termos das capacidades comunicacionais, apenas visto nessa perspetiva, não estaria nas melhores condições para enfrentar o candidato da oposição. Não sei se provavelmente os outros candidatos deverão comparecer, mas, digamos, a ausência desse debate é digna de registo".
Outro dos pontos negativos a apontar é a persistência da comunicação social "absolutamente monopolizada pelo partido do governo, uma comunicação social sem contraditório. Uma comunicação social que, despudoradamente, punha comentadores que, como ontem, declararam abertamente a sua intenção de voto no candidato do MPLA".
Digamos que essa comunicação parcial é um espaço escandaloso que desvirtuou em grande medida a equidade e a transparência, o tratamento que deve ser dado a estas matérias, sobretudo em matéria eleitoral.
Outra nota negativa foi o bloqueio sistemático de que a UNITA foi alvo. A campanha foi baseada em via terrestre, e os candidatos tiveram de enfrentar o bloqueio de fornecimento de combustíveis, graças ao encerramento artificial de estações de combustível na rota da campanha.
"Houve até problemas com os hotéis, que de repente ficaram todos preenchidos, como em Malange".
Mais recentemente, houve algumas tentativas de movimentação de alguns setores da sociedade civil que têm vindo a criticar, ao longo de todo o processo eleitoral, a falta de transparência e diversas irregularidades, que tentaram manifestar-se e foram bloqueados pela polícia - apesar de terem cumprido todos os procedimentos.
Outra nota negativa foi a dificuldade que os jornalistas tiveram de perceber qual a agenda dos candidatos durante esta campanha eleitoral, até para que se conseguirem movimentar pelo país e conseguirem disponibilizar meios humanos e materiais para a cobertura destas ações de campanha.
"Justamente, justamente. Esta essa falta de informação prévia. Será necessário sublinhar informação prévia do roteiro dos candidatos contribuiu para isso, pois nós estamos num país extenso e pronto também há muita escassez de meios. Mas eu diria que, tirando algumas televisões do estado, e são todas praticamente propriedade do Estado, assim como a rádio nacional, raros foram os meios de comunicação social que tiveram e possuem capacidade para se movimentar à escala nacional. Portanto, isto também contribuiu para diminuir uma informação, digamos, equidistante e equilibrada por parte do processo".
Mas o que mais marca este processo eleitoral é o conjunto de irregularidades que tem sido apontado pela oposição: desde a formação da Comissão Nacional Eleitoral, que foi criticada inclusivamente alguns dos seus juízes que depois se desligaram do processo as alterações que ocorreram anteriormente da lei eleitoral. Até ao famoso caso dos mais de 2 milhões de eleitores mortos, aos muitos casos de pessoas que aparecem inscritas em várias assembleias. Veja-se o caso do bispo Zacarias Kamuenho, cujo nome aparece em duas assembleias de voto e que agora se questiona onde deverá votar.
Tudo isto "vai contribuir para um fator que tem vindo a aumentar nas eleições angolanas: o fator abstenção", destaca Mário Paiva.
Tem sido feitos apelos, tanto pelo presidente João Lourenço como pelos líderes da oposição e por vários sectores da sociedade civil, á manutenção da paz e da reconciliação, em virtude do clima de grande tensão política e de muito receio.
E este clima de tensão provocou uma grande corrida aos ATM´s dos bancos para tentar levantar dinheiro".
A UNITA acusou o Governo de João Lourenço de estar a politizar a transladação do corpo José Eduardo dos Santos e, por isso mesmo, a UNITA não vai comparecer nas comemorações fúnebres porque acha que há esse aproveitamento político.
Há quem considere que esse processo foi mal gerido pela administração Lourenço, desde o início. E criou "muito desconforto e até uma certa divisão latente no próprio MPLA".
De facto, existe essa perceção de um certo aproveitamento político. E realizar o funeral em cima do ato eleitoral é o corolário deste alegado aproveitamento político que tem vindo a ser feito em torno da figura de José Eduardo dos Santos.
Agora, evidentemente que isto, como se diz na gíria popular, é um pau de dois bicos. Está a dividir muitas opiniões.
E há quem considere que também seria uma maneira de condicionar o anúncio de resultados eleitorais, no sentido em que o funeral será realizado nesta data, que poderá mais ou menos coincidir com o anúncio dos resultados, o país será constrangido a um clima de comoção e, digamos, da paz social com a paz social e política consentida.