07 nov, 2022 - 10:21 • Joana Azevedo Viana
Um grupo de voluntários começou esta semana a receber transfusões de sangue criado em laboratório, num ensaio clínico inédito a decorrer no Reino Unido.
O ensaio envolve a transfusão de pequenas quantidades de sangue (o equivalente a cerca de duas colheres de sopa) para, numa fase inicial, perceber como é que os organismos que o recebem reagem.
O projeto de investigação está a ser desenvolvido por equipas de cientistas em Bristol, Cambridge e Londres e do Banco de Sangue e Transplantes do Sistema Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido, e neste momento está focado nos glóbulos vermelhos, que transportam oxigénio dos pulmões para o resto do corpo.
Para já, estão envolvidos no ensaio voluntários que regularmente doam sangue no Reino Unido. Mas o objetivo último, adiantam os investigadores, é fabricar sangue de grupos sanguíneos mais raros e, portanto, mais difíceis de obter através de doações humanas.
Tal permitiria dar resposta a quem precisa de transfusões regulares de sangue para combater doenças como a anemia falciforme. Nesses casos, quando o sangue não é uma correspondência exata, o corpo começa a rejeitá-lo e o tratamento falha.
Para já, duas pessoas já receberam transfusões de sangue fabricado em laboratório, mas o objetivo é testá-lo em pelo menos 10 voluntários saudáveis. Cada um vai receber duas transfusões de entre 5 e 10 mililitros cada, com um intervalo de pelo menos quatro meses, sendo uma de sangue normal e outra deste sangue produzido pela ciência.
O sangue artificial que está a ser testado foi marcado com uma substância radioativa, usada muitas vezes noutros procedimentos médicos, para que os cientistas possam apurar durante quanto tempo é que perdura no corpo.
Os cientistas antecipam que este sangue criado em laboratório venha a ser mais potente do que o normal.
A investigação em curso, adiantam os responsáveis, vai muito além dos bem conhecidos grupos sanguíneos A, B, AB e O.
Como explica Ashley Toye, da Universidade de Bristol, há grupos sanguíneos "mesmo, mesmo raros", casos em que "pode haver apenas 10 pessoas em todo o país" que possam doar o seu sangue e este ser compatível.
Neste momento, por exemplo, existem apenas três unidades do chamado grupo sanguíneo "Bombaim", inicialmente identificado na Índia, em todo o território do Reino Unido.
Para produzir sangue em laboratório, os cientistas pegam numa doação normal de sangue, de cerca de 470ml, e usam esferas magnéticas para "pescar" células-tronco flexíveis, capazes de se transformarem em glóbulos vermelhos.
Essas células são depois incentivadas a crescer em grande número no laboratório, sendo posteriormente direcionadas a transformarem-se em glóbulos vermelhos.
O processo dura cerca de três semanas. Uma reserva inicial de cerca de meio milhão de células-tronco dá origem a 50 mil milhões de glóbulos vermelhos, que são depois filtrados para se obter cerca de 15 mil milhões de glóbulos vermelhos no estádio certo de desenvolvimento para transplante e transfusão.
"No futuro queremos produzir o máximo de sangue possível, visualizo na minha cabeça uma saça cheia de máquinas a produzir continuamente a partir de uma doação de sangue normal", adianta Toye.