10 nov, 2022 - 10:36 • Olímpia Mairos
A organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional (AI) acusa Moscovo de crimes de guerra e contra a Humanidade ao transferir à força civis da Ucrânia para a Rússia.
No seu último relatório - “Uma caravana prisional: a transferência ilegal de civis na Ucrânia e os abusos durante a ‘Filtragem’”, publicado esta quinta-feira - descreve de forma detalhada a forma como as autoridades russas deportaram e transferiram à força civis de áreas ocupadas da Ucrânia.
O documento baseia-se em entrevistas a 88 pessoas das regiões de Mariupol, Kharkiv, Luhansk, Kherson e Zaporíjia, que relatam como as forças russas transferiram à força civis de zonas ocupadas pela Rússia na Ucrânia, através de processos de rastreio abusivos – conhecidos como “Filtragem” –, que na maior parte das vezes resultaram em detenções arbitrárias, tortura e outros maus-tratos.
São ainda apresentadas provas de como crianças foram separadas das suas famílias durante o processo, o que representa a violação do Direito Internacional Humanitário.
Para a secretária-geral da AI, Agnès Callamard, citada em comunicado, “separar as crianças das suas famílias e forçar as pessoas a transferirem-se para centenas de quilómetros das suas casas é mais uma prova do grande sofrimento que a invasão russa infligiu aos civis da Ucrânia”.
“A deplorável tática russa de transferência forçada e deportação é um crime de guerra. A Amnistia Internacional acredita que isto deve ser investigado como um crime contra a humanidade”, considera Agnès Callamard, defendendo que “todas as pessoas transferidas à força e ainda detidas ilegalmente devem ser autorizadas a sair” das zonas onde se encontram, “e todos os responsáveis pela prática destes crimes devem ser responsabilizados”.
De acordo com os relatos, publicados no relatório, vários civis ucranianos foram vítimas de maus-tratos durante o processo de ‘Filtragem’, incluindo espancamentos, eletrochoques e ameaças de morte. Foram também documentados casos de negação de alimentos e água e de detenção em condições de sobrelotação.
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A Amnistia Internacional diz que em Mariupol, as forças militares russas transferiram à força alguns civis para bairros sob o seu domínio, impedindo-os de utilizarem outras rotas de fuga. Os civis disseram à organização que se sentiram coagidos a entrarem em autocarros de “evacuação” para a “República Popular de Donetsk”.
É o caso de Milena, de 33 anos, que contou a sua experiência enquanto tentava fugir de Mariupol, revelando que foi informada pelas forças russas de “que só era possível ir para a DNR ou para a Rússia”.
“Uma jovem perguntou sobre outras possibilidades de evacuação, dando o exemplo do território ucraniano, mas um soldado russo disse-lhe… ‘Se não fores à DNR ou à Federação Russa, ficarás aqui para sempre´”, disse Milena à AI. Já o seu marido, um antigo fuzileiro naval da marinha ucraniana, foi detido pouco depois, ao atravessar a fronteira para a Rússia, e ainda não foi libertado.
Lembrando que as leis do conflito armado proíbem a transferência individual ou forçada em massa de pessoas protegidas do território ocupado, a organização de defesa dos direitos humanos dá conta de vários casos, em que crianças sem pais e em fuga para o território ocupado pela Ucrânia foram detidas em postos de controlo militares russos e transferidas sob a custódia das autoridades controladas pela Rússia em Donetsk. E dá o exemplo de um rapaz de 11 anos que foi separado da sua mãe durante a ‘filtragem’. O rapaz e a mãe foram capturados e detidos pelos militares em Mariupol, em meados de abril.
“Eles levaram a minha mãe para outra tenda, onde foi interrogada. Depois, disseram-me que me iam tirar da minha mãe. Não disseram para onde a iam levar e desde essa altura que não tenho notícias dela”, lê-se no relatório da Amnistia Internacional.
Neste documento, são ainda detalhadas transferências forçadas para Donetsk de todos os 92 residentes de uma instituição estatal para idosos e pessoas com deficiência em Mariupol.
A organização documenta também vários casos em que pessoas idosas da Ucrânia pareciam ter sido colocadas numa instituição russa em áreas ocupadas pela Rússia após terem fugido das suas casas.
Ainda segundo a organização, nas zonas ocupadas pelas autoridades russas, várias pessoas admitiram que se sentiram pressionadas a solicitar a cidadania russa, revelando que os seus movimentos eram restritos.
“O processo de obtenção da cidadania russa foi simplificado para crianças alegadamente órfãs ou sem cuidados parentais, e para algumas pessoas com deficiência. Este procedimento destinava-se a facilitar a adoção destas crianças por famílias russas, em violação do direito internacional”, denuncia.
Segundo a Amnistia Internacional, os civis ucranianos que fugiram ou foram transferidos para áreas ocupadas pela Rússia ou até para o território russo foram por várias vezes forçados através de um processo de rastreio abusivo ao entrar na DNR, ao atravessar a fronteira para a Rússia, e também ao deixar a Rússia para um país terceiro.
“Este processo viola os seus direitos à privacidade e integridade física”, sublinha, denunciando que “nos pontos de ‘Filtragem’, os funcionários tiraram fotografias de pessoas, recolheram as suas impressões digitais, inspecionaram e invadiram a informação dos seus telemóveis e forçaram alguns homens a despir-se até à cintura”.
A organização de defesa dos direitos humanos diz ter registado sete casos em que pessoas sofreram tortura e outros maus-tratos durante a detenção. Um caso envolveu uma mulher de 31 anos, outro um rapaz de 17, e cinco eram homens na casa entre os 20 e os 30 anos.
Documentou ainda outros casos que – diz - equivalem a desaparecimentos forçados ao abrigo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e aos crimes de guerra de confinamento ilegal, tortura e tratamento desumano.
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