24 dez, 2022 - 15:47 • Lusa
As forças de segurança talibãs utilizaram este sábado um canhão de água para dispersar mulheres que protestavam contra a proibição de frequentarem o ensino universitário no Afeganistão, segundo testemunhas oculares, citadas por agências internacionais de notícias.
A decisão de banir as mulheres das universidades foi tomada na terça-feira pelo governo liderado pelos talibãs e tem causado indignação e oposição no país e não só.
Desde que a proibição, com efeitos imediatos, foi decretada, as mulheres afegãs têm-se manifestado nas principais cidades, um raro sinal de protesto desde que os talibãs tomaram o poder no ano passado.
De acordo com testemunhas oculares na cidade ocidental de Herat, cerca de duas dúzias de mulheres dirigiam-se hoje à casa do governador daquela província, para protestar contra a proibição, entoando cânticos – “A educação é um direito nosso” -, quando foram empurradas para trás por um canhão de água disparado pelas forças de segurança.
O vídeo partilhado com a The Associated Press mostra mulheres aos gritos e escondidas numa rua lateral para escapar ao canhão de água, tendo de seguida retomado o protesto, gritando “Vergonhoso”.
Uma das organizadoras do protesto, Maryam (que não revelou o apelido por medo de represálias), disse que entre 100 e 150 mulheres participaram na manifestação, deslocando-se em pequenos grupos de diferentes partes da cidade em direção a um ponto de encontro central.
“Havia segurança em cada rua, cada praça, veículos blindados e homens armados”, disse, acrescentando: “Quando começámos o nosso protesto, no Parque Tariqi, os talibãs arrancaram ramos das árvores e bateram-nos, mas nós continuámos o nosso protesto. Eles aumentaram a sua presença e por volta das 11:00, trouxeram o canhão de água”.
Um porta-voz do governador da província, Hamidullah Mutawakil, afirmou que havia apenas quatro ou cinco manifestantes.
“Elas não tinham agenda, vieram aqui apenas para fazer um filme”, disse, sem mencionar a violência contra as mulheres ou o uso do canhão de água.
Um testemunho recolhido pela agência alemã DPA dá também conta de mais de uma centena de manifestantes concentradas hoje junto ao edifício do governo provincial de Herat, que gritavam a palavra de ordem “A educação é um direito nosso”.
A proibição de frequência da universidade por parte de mulheres tem suscitado uma condenação internacional generalizada, inclusive por parte de países de maioria muçulmana como a Arábia Saudita, Turquia, Emiratos Árabes Unidos e Qatar, assim como avisos dos Estados Unidos e do grupo G-7 de que esta política terá consequências para os talibãs.
Um funcionário do governo talibã, o ministro do Ensino Superior, Nida Mohammad Nadim, falou pela primeira vez sobre a proibição, na quinta-feira, numa entrevista à televisão estatal afegã, tendo afirmado que a medida era necessária para evitar a mistura de géneros nas universidades e porque acredita que algumas disciplinas ensinadas violam os princípios do Islão.
Nida Mohammad Nadim disse ainda que a proibição estaria em vigor até nova ordem.
Apesar de inicialmente terem prometido regras mais moderadas, respeitando os direitos das mulheres e das minorias, os talibãs aplicaram amplamente a sua interpretação da lei islâmica, ou Sharia, desde que tomaram o poder, em agosto de 2021.
Baniram as raparigas do ensino secundário e das universidades, proibiram as mulheres na maioria das áreas profissionais e ordenaram-lhes que vestissem roupa dos pés à cabeça em público.
As mulheres estão também proibidas de frequentar parques e ginásios. Ao mesmo tempo, a sociedade afegã, embora largamente tradicional, tem abraçado cada vez mais a educação de raparigas e mulheres ao longo das últimas duas décadas.
Também este sábado, na cidade de Quetta, no sudoeste do Paquistão, dezenas de estudantes refugiadas afegãs protestaram contra a proibição do ensino superior feminino na sua terra natal e exigiram a reabertura imediata dos campus universitários para as mulheres.