05 fev, 2023 - 12:36 • Lusa
O diretor e fundador do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) manifestou hoje à agência Lusa “frustração” pelo “silêncio de Portugal” sobre o conflito na Síria, país que está envolvido numa guerra desde 2011.
Numa entrevista à Lusa em Lisboa, Fadel Abdul Ghany adiantou não ter tido nenhum contacto com as autoridades portuguesas, a quem já pediu reuniões, questionando-se por que razão Portugal não fez, nos últimos anos, qualquer comentário sobre a situação dos Direitos Humanos na Síria.
“Portugal é um dos principais países democráticos que defende os direitos humanos, que está na linha da frente na defesa dos direitos humanos. Perguntamo-nos porque é que ainda não fez qualquer comentário, um simples ‘tweet’ sobre a Síria nos últimos anos? Ouvimos preocupações da França e de outros países. Porque é que Portugal não comenta?”, questionou Fadel, antes de viajar, sábado, para os Estados Unidos.
Essa foi uma das mensagens que deixara, sexta-feira, numa reunião da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias do Parlamento português, em que também acabou por lamentar que apenas três partidos tivessem participado – Partido Socialista (PS, no poder), Partido Social-Democrata (PSD) e Chega –, estranhando a ausência do Bloco de Esquerda (BE), Partido Comunista Português (PCP) e Partido Animais e Natureza (PAN).
“Vim a Portugal para informar o Governo e o Parlamento que a Síria ainda conta e que a violência continua, persistindo os crimes contra a humanidade perpetrados pelo regime de Bashar al-Assad e por outros países”, como a Rússia e o Irão, sublinhou.
Para Fadel, é importante que Portugal perceba que, para os sírios, “é importante ouvir a voz portuguesa” porque isso significa que Portugal “ainda apoia o movimento que luta pela democracia” e para “ajudar a pôr cobro à ditadura [do regime do Presidente Bashar al-Assad]”.
“Não sabemos o que Portugal pensa. Precisamos de uma declaração e que [Lisboa] aproveite todas as oportunidades para manifestar o apoio à democracia síria”, defendeu, insistindo na ideia de não saber por que razão o Governo português não dá passos nesse sentido.
“Se não tiverem informações, nós podemos fornecer-lhes, pois somos a maior organização na Síria. Temos os dados sempre atualizados, temos estatísticas para que possam basear uma declaração oficial sobre a Síria, que tem sido esquecida das declarações do Governo português. Espero que, depois desta visita, o Governo possa rever esta atitude e tome medidas para, pelo menos, comentar os assuntos sírios”, acrescentou.
“Não estamos a pedir muito. Quando acontecem coisas importantes e Portugal não está presente sinto-me triste como ativista dos Direitos Humanos, tanto mais que é um país que sempre defendeu a democracia e os direitos humanos”, referiu, sublinhando que as respostas dadas pelos três partidos que o ouviram na audição “foram positivas”, mas ficando-se apenas pela garantir de que “acompanham a situação”.
Fadel salientou que, na audição, foi-lhe indicado que Portugal, através um programa criado pelo antigo Presidente português Jorge Sampaio, tem apoiado e recebido estudantes sírios, mas que nada mais foi adiantado.
“Atualmente há zero por cento de atenção ao que o Governo sírio está a fazer. No Parlamento, destaquei a ocorrência recente de incidentes importantes e que gostava de ouvir o Governo português comentar, como, por exemplo, o uso, até recente, pelo regime sírio, de armas químicas. Qual foi a reação do Governo português?”, lamentou, lembrando que esta última ação de al-Assad foi documentada pela Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla inglesa).
Sempre muito crítico, por um lado, e “triste”, por outro, Fadel referiu que muitos países já se pronunciaram, como a França, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Suíça, Turquia ou Qatar.
“Porque é que Portugal ainda não se pronunciou? É uma declaração que demora poucos minutos, com poucas linhas, a condenar o regime sírio. Isto significa muito para os sírios, pois demonstra que Portugal se preocupa com o sofrimento do povo sírio, que acompanha a evolução dos acontecimentos, que apoia a causa (dos direitos humanos), que está contra a ditadura (de Damasco) e que está contra o uso de armas químicas”, prosseguiu.
Nesse sentido, pede também às autoridades portuguesas que ajudem a recolocar a Síria na agenda internacional, sobretudo na defesa dos direitos humanos na Síria.
“Em Portugal, nada disso aconteceu. Fiquei frustrado”, concluiu.
O diretor e fundador do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) lamenta que os relatos confirmados de pelo menos 40 casos de uso de armas químicas na guerra na Síria estejam ainda por punir.
Fadel Abdul Ghany destacou o recente relatório feito por investigadores da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla inglesa), que deram conta de ter encontrado "vestígios suficientes" de que a Força Aérea da Síria usou gás cloro contra a cidade de Duma, em abril de 2018, matando 43 pessoas, constituindo esse apenas um dos 40 casos conhecidos do OSDH.
“Há um mecanismo criado com base nas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas em agosto de 2015, que estabelece o Mecanismo Conjunto entre a ONU e a OPCW, que elaborou vários relatórios e acusou o regime sírio de cometer três ataques com armas químicas”, realçou Fadel.
A OPCW, por seu lado, prosseguiu, criou a Identification and Investigation Team (IIT), que também fez três relatórios em que acusa também o regime sírio de vários ataques com armas químicas, incluindo o de Duma.
“Temos os relatórios internacionais a acusar o regime de al-Assad de pelo menos 40 ataques com armas químicas, que incluem já os que nós contabilizamos. Não temos qualquer dúvida em relação a esses ataques. As equipas de investigação estão muito bem equipadas, com laboratórios, com alta tecnologia. Falta punir os responsáveis”, sublinhou.
No relatório do OPCW, divulgado a 27 de janeiro passado, os investigadores deixaram claro que o regime do Presidente sírio, Bashar al-Assad, lançou dois bidões com gás cloro contra a cidade.
"O uso de armas químicas em Duma, e em outros locais, é inaceitável e vai contra a lei internacional", disse o diretor-geral da OPCW, Fernando Arrias, sublinhando que Damasco não respondeu às questões colocadas no relatório.