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Novas regras. Alemanha "salva" carros a combustão após 2035

28 mar, 2023 - 17:38 • Guilherme Correia da Silva, correspondente na Alemanha

Afinal, poderá ser possível comprar carros novos a combustão a partir de 2035, desde que usem combustíveis sintéticos. A Alemanha interveio à última hora para incluir uma exceção à legislação europeia que impõe uma proibição total à venda de novos carros que emitam CO2. Bruxelas concordou. A indústria automóvel alemã agradece.

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Inicialmente, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu pretendiam impedir a venda de novos carros com motores de combustão que emitam dióxido de carbono a partir de 2035. Seria o princípio do fim dos carros a combustão na União Europeia para dar lugar aos carros elétricos. Mas, pouco antes da assinatura final da nova legislação, a Alemanha interveio.

Berlim quis incluir uma exceção e tornar possível a venda de carros de combustão que usem combustíveis sintéticos, os chamados "e-fuels". E conseguiu. Após várias semanas de pressão, a Comissão Europeia concordou em introduzir novas regras, adicionando uma categoria para viaturas que funcionem exclusivamente com combustíveis sintéticos.

"Queremos assegurar que não apostamos apenas numa única tecnologia no processo de transição para uma mobilidade com impacto neutro no clima", justificou o ministro alemão dos Transportes, Volker Wissing, do partido liberal FDP. "A Europa domina o motor a combustão a nível mundial, e sobretudo a Alemanha, que é líder nesta tecnologia. Proibir esta tecnologia não faz sentido", sublinhou.

Países como a Itália, a Polónia ou a República Checa apoiaram a proposta da Alemanha. França está contra, argumentando que é um retrocesso.

Verdes falam em "negação do progresso"

O eurodeputado alemão Michael Bloss, do partido "Os Verdes", concorda. "Por trás desta proposta, há um comportamento tático dos liberais, que prometem que é possível continuar a usar tecnologias baseadas em combustíveis fósseis. Mas isso não é verdade, e é também uma negação ao progresso", disse Bloss em declarações à Renascença.

"A tecnologia do motor de combustão faz parte do passado", destacou.

O tema "e-fuels" gerou algum desconforto no seio da coligação governamental na Alemanha, composta por sociais-democratas, verdes e liberais. O eurodeputado Michael Bloss acredita que a história dos carros com motores a combustíveis sintéticos não ficará por aqui.

"A Comissão disse que introduziria os 'e-fuels' através de um ato delegado, sem mudar a legislação, mas duvido que tenha base legal para o fazer. Se não tiver, é claro que nós, como Parlamento, vamos tomar medidas contra isso."

Benjamin Stephan, da organização ambientalista Greenpeace, ressalta que a iniciativa alemã abriu um precedente perigoso, que poderá afetar a produção de leis na União Europeia.

"Esta legislação foi negociada durante um ano e meio, a Alemanha consentiu várias vezes e, no fim, dizer que afinal já não é bem assim, é um péssimo exemplo para a política europeia. Se se tornar um hábito, teremos um problema na Europa para fazer boas leis, eficazes", diz Benjamin Stephan à Renascença.

O que são combustíveis sintéticos?

Os combustíveis sintéticos são "energia limpa" em estado líquido ou gasoso, com uma pitada de dióxido de carbono absorvido da atmosfera. São um cocktail de hidrogénio, obtido por exemplo de energias renováveis, e carbono extraído do ar. Mas ainda não está disponível no mercado.

Bruxelas entrou em alvoroço após as interjeições da Alemanha, porque carros a combustíveis sintéticos continuarão a emitir dióxido de carbono, algo que vai contra a legislação aprovada inicialmente. Os defensores desta tecnologia defendem, no entanto, que as emissões serão compensadas com a absorção do dióxido de carbono durante a produção dos combustíveis sintéticos.

Impera, contudo, algum ceticismo em relação a estas contas. Segundo Benjamin Stephan, da organização ambientalista Greenpeace, é o caminho errado a seguir.

"O facto de o governo alemão ter levado a melhor nesta sua aspiração é um desastre, vai no sentido inverso ao que deveria seguir, pois é necessário que nos afastemos dos motores de combustão", afirma.

A indústria automóvel alemã tem apostado no desenvolvimento de outras tecnologias, as exportações de carros elétricos aumentam ano após ano. Mas as empresas também têm mostrado interesse nos combustíveis sintéticos. Em dezembro, por exemplo, a Porsche, do grupo Volkswagen, inaugurou um projeto-piloto para produzir combustíveis sintéticos de forma industrial, no Chile. A produção deverá começar já em abril, com 130 mil litros.

A Associação alemã da Indústria Automóvel (VDA), que representa empresas como a BMW, a Mercedes ou a Volkswagen, diz que é importante manter várias opções em aberto.

"A mobilidade elétrica continua a ser a tecnologia central para atingir as metas climáticas no setor dos transportes. Mas os 'e-fuels' são importantes para ampliar as opções. A abertura às novas tecnologias é crucial para alcançar a neutralidade climática não só na Europa, como no mundo inteiro", afirma a VDA numa nota enviada à Renascença.

"E-fuels" são a solução para automóveis ligeiros?

Para a associação de fabricantes alemães, os combustíveis sintéticos poderão desempenhar um papel crucial no futuro, particularmente para os carros que já estão em circulação.

A VDA refere que, se a indústria conseguir "colocar 15 milhões de carros elétricos nas estradas até 2030, continuarão a circular na Alemanha cerca de 30 milhões de veículos com motores de combustão. Com os 'e-fuels', será possível andar de carro com neutralidade climática."

Mas a produção de "e-fuels" requer bastante energia, e isso sai caro. Segundo o eurodeputado Michael Bloss, dos Verdes, os combustíveis sintéticos são "o champanhe da transição energética".

O custo de produção ronda atualmente os 50 euros por litro, segundo estimativas do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático, embora o preço possa cair quando arrancar a produção industrial.

Outra questão que se coloca é se haverá combustíveis sintéticos suficientes para responder à procura. Os críticos dizem que, quanto muito, se devia priorizar a utilização destes combustíveis em aviões ou navios de carga, em que a conversão para motores elétricos poderá ser mais difícil.

"Não faz sentido continuar a usar combustíveis sintéticos e carros a combustão, porque já há uma tecnologia muito mais barata e eficiente, nomeadamente os carros elétricos e as baterias", afirma o eurodeputado Michael Bloss.

O setor automóvel lembra, no entanto, que ainda há muito por fazer no capítulo do carregamento dos carros elétricos, teria de ser criada uma rede com muitos mais pontos de carregamento.

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