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Cáritas Ucrânia. "Saber que não estávamos sozinhos deu-nos força"

08 abr, 2023 - 08:20 • José Pedro Frazão, enviado da Renascença à Ucrânia

Em entrevista à Renascença, a presidente da Cáritas Ucrânia revela que a guerra fez duplicar o número de centros locais de apoio humanitário. Mais de dois mil funcionários ajudam o próximo entre bombardeamentos, evacuações e falta de energia.

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A presidente da Cáritas Ucrânia explica, em entrevista à Renascença, como foi desencadeada a resposta humanitária do braço caritativo da igreja greco-católica ucraniana. Tetiana Stawnychy revela que as equipas estavam preparadas para responder à crise, mas a guerra fez duplicar o número de centros locais de apoio.

Com mais de dois mil funcionários, a estrutura fez uma travessia por bombardeamentos, evacuações, falta de eletricidade e os desafios de socorrer os outros quando também se está em perigo ou fora da sua casa.

A líder da Caritas Ucrânia prepara já um novo apelo de emergência e diz que o apoio externo foi fundamental também em termos psicológicos e mentais.

Passou mais de um ano sobre a "invasão em larga escala", atravessaram o inverno e estão agora na primavera. Qual é o principal desafio neste momento para a Cáritas Ucrânia?

Encontramo-nos numa fase de transição com muito trabalho. No início da guerra, tivemos um aumento muito grande da nossa operação . Estávamos preparados antes do início da guerra. Tínhamos 20 centros locais que estavam a trabalhar no planeamento do que fariam caso algo acontecesse e tivéssemos muitas pessoas em movimento.

Esses centros começaram a funcionar imediatamente e, quando percebemos a escala da crise humanitária, aumentámos as nossas operações para trabalharmos com mais de 40 centros da Caritas no Verão.

Tínhamos também um programa de ação social paroquial realmente ativo antes da guerra e usámos isso para escalar e envolvemos cerca de 450 paróquias adicionais na resposta humanitária. Foi um aumento enorme da escala das nossas atividades e no número de funcionários e voluntários envolvidos.

Tem números sobre a operação atual?

Temos mais de dois mil funcionários a trabalhar na rede. No escritório nacional que ajuda a coordenar o trabalho há mais de 150 membros a trabalhando e na rede. Muitos destes dois mil funcionários são eles próprios deslocados. Tivemos essa experiência em que muitas vezes as pessoas vinham até nós para receber ajuda nos nossos centros locais, e depois voltavam para serem voluntários e depois os voluntários que estavam a estudar voltavam novamente e de novo e de novo.

Desenvolvemos uma cooperação muito boa com eles. Frequentemente, contratávamos essas pessoas para os nossos escritórios locais de forma a continuar a ajudar com uma resposta. Essa foi uma parte muito importante na estratégia que tínhamos. O objetivo do trabalho humanitário é tirar as pessoas da situação de crise e colocá-las de novo em pé. E esta foi uma maneira realmente boa de fazer isso.

No ano passado, a 24 de fevereiro, a Cáritas Ucrânia ainda estava em áreas que agora estão ocupadas. Pode descrever como foram as primeiras semanas desse trabalho?

De certa forma, não diria que foi sorte, mas foi fortuito que estivéssemos a trabalhar em respostas humanitárias na parte oriental da Ucrânia desde 2014. Portanto, tínhamos uma boa experiência nessas respostas e também tínhamos experiência em redução de riscos e questões de segurança, especialmente na parte leste do país. Isso realmente foi muito útil, nas primeiras semanas da guerra, quando não tínhamos certeza como as coisas estavam a ir.

A situação estava a evoluir de uma forma muito rápida. Conseguimos que as nossas equipas tomassem a decisão de evacuar áreas perigosas e, nalguns lugares, as pessoas das equipas locais optaram por ficar. Por exemplo, em Volnovakha, região de Donetsk, todo o nosso pessoal saiu de lá. Em Mariupol, foi um pouco diferente, parte do pessoal saiu e alguns funcionários decidiram ficar.

Onde é que eles estão?

Alguns deles conseguiram ser retirados mais tarde, depois de várias semanas a continuar a ajudar. Em Mariupol, deu-se uma situação interessante, porque houve várias organizações locais que se uniram, com pessoas que ficaram para trás. Eles tinham armazenado alguns mantimentos e levaram comida e água às pessoas nessas primeiras semanas. Mais tarde houve uma decisão de retirada tomada por muitos deles.

A equipa do Mariupol continuou a trabalhar em Zaporizhzhia onde se estabeleceram durante algum tempo. Isto significa que tínhamos duas equipas a trabalhar, mas era bom porque era uma porta de entrada para quem estava a fugir da guerra e eles conseguiram ajudar muita gente. Ainda temos um pequeno grupo de Mariupol, que ficou em Zaporizhzhia, que continua a trabalhar em áreas realmente difíceis de alcançar na província de Donetsk.

Alguns deles mudaram-se para uma zona diferente na Ucrânia central, onde estão realmente a ajudar-nos a lançar uma nova Cáritas naquela região com uma paróquia local. Descobrimos que esta capacidade de poder fazer algo e ajudar outras pessoas durante esta crise é uma parte muito importante de como estamos a sobreviver a isto. Direcionar a nossa energia para ajudar outras pessoas ajuda a construir resiliência.

A evacuação foi decidida pelo vosso próprio pessoal local? Eles avaliaram a situação e acharam que era impossível ficar?

Sim. Temos um processo de formação de pessoal local para redução e análise de riscos em equipa para depois tomar decisões em conjunto. Conseguimos expandir esse programa e mais de 28 centros já têm um ponto focal em segurança. Fazemos reuniões regulares com eles e depois trabalhamos localmente com cada um dos centros.

Às vezes, é muito difícil trabalhar em determinadas zonas. Por exemplo, conseguem operar em Kramatorsk, no Donbass?

Sim, temos algumas equipas que estão um pouco mais longe de Kramatorsk. E as suas equipas móveis, entram em determinadas áreas e ajudam as comunidades da melhor maneira possível. A nossa equipa de Kramatorsk retirou-se também para outra área no oeste da Ucrânia, onde também conseguiram estabelecer uma nova Caritas num novo local, mas um pequeno grupo estava muito motivado para voltar à região. Então voltaram, mas ficaram um pouco distantes e podem entrar e sair.

Houve alguma experiência de não ter a possibilidade de evacuar os centros? Penso por exemplo em Kherson onde houve uma rápida ocupação.

Tínhamos paróquias em Kherson com as quais trabalhávamos desenvolvendo ação social paroquial. Havia uma paróquia interessante numa das cidades mais pequenas fora de Kherson onde começaram uma cozinha comunitária, ajudando as pessoas da sua cidade. O que foi surpreendente para nós é que a comunidade paroquial continuou durante toda a ocupação a gerir o refeitório e a continuar a ajudar as pessoas. E agora estão em território libertado, mas ainda é muito perigoso porque são frequentemente bombardeados pelas forças russas.


Em que consiste a operação de ação social paroquial?

É um programa fantástico. Trata-se de ir trabalhar com uma comunidade paroquial, ajudá-los a reconhecer as necessidades ao seu redor e chegar a um entendimento sobre como ajudar as pessoas a fazer trabalho social. Isso faz parte da expressão de nossa fé. Há um retiro sobre isto que se constrói e, em seguida, há um lado prático de aprender como avaliar quais são as necessidades na sua área e, em seguida, elaborar um plano de como a comunidade paroquial deseja responder às necessidades ao seu redor.

Tivemos este programa a funcionar por três anos na Ucrânia antes do início da guerra e isto realmente ajudou-nos a mobilizar as comunidades paroquiais a responder, porque já tínhamos trabalhado com eles e elas já tinham preparação .

Para além de darem comida, também estão a ajudar em trabalhos de reconstrução?

Sim, trabalhamos em reparações ligeiras de casas, principalmente portas, janelas, telhados que precisavam ser reparados, para ajudar as pessoas a voltarem para suas casas, onde podem ficar mais quentes e seguras sobretudo nas áreas que já não estão ocupadas, como os arredores de Kiev, Chernihiv, Kharkiv e na região de Mykolaiv, onde sofreram muitos bombardeamentos. Conseguimos ajudar a reparar perto de 4.000 casas.

Os cortes de eletricidade afetaram muito a vossa operação durante o inverno?

Sim, afetaram-nos, porque em todos os lugares tivemos apagões. Em algumas áreas, foi pior do que em outras. No final da primavera, início de Verão, um de nossos parceiros sugeriu que comprássemos baterias grandes que ajudassem a manter coisas básicas como computadores, impressoras e comunicações. Isso foi muito útil.

Também conseguimos geradores para muitos dos nossos centros para ajudar a manter as operações a funcionar. No final, também conseguimos obter alguns recetores de internet por satélite Starlink que foram realmente críticos, especialmente na região de Odessa, onde os apagões foram um grande problema.

Precisávamos de eletricidade para continuar o trabalho com as pessoas e também ser capaz de manter ligações dentro da rede. Claro que a questão do aquecimento era uma algo mais específico, mas acho que trabalhámos muito bem para garantir que todos os lugares estivessem protegidos com o que era necessário para continuar a oferecer assistência.

Quando as forças ucranianas voltam a controlar determinadas áreas, a estratégia da Cáritas passa por estabelecer logo ali um centro?

Sim, claro. Em muitos lugares, já temos paróquias que já estavam a trabalhar ativamente connosco. Não se começa realmente do zero, mas de uma plataforma com algum tipo de atividade já existente. Por exemplo, fora de Kiev, temos uma Caritas em Irpin que, com os acontecimentos também de zonas próximas como Bucha e Hostomel, acabou por realmente se desenvolver e crescer. Além disso, nas regiões de Chernihiv e de Kherson, estamos a começar a desenvolver as paróquias com a Caritas.

Uma das coisas mais bonitas da nossa rede é que há anos que trabalhamos com os diretores locais nesses programas de formação em gestão e outras coisas. E eles realmente tornaram-se bons amigos. Muita ajuda obviamente estava a ser coordenada a nível nacional, mas houve muita ajuda que conseguimos fazer chegar aos lugares onde eram necessários através de ligações horizontais.

Por exemplo, muitos dos nossos centros na parte ocidental do país, onde havia muitas doações em espécie, foram capazes de recebê-las e, em seguida, levá-las para as partes central, leste ou sul do país onde eram realmente necessárias.

Os donativos estão estabilizados, a subir ou a descer?

Aguardamos ainda para ver. Estamos no início do nosso novo apelo de emergência. Tivemos uma solidariedade e um apoio realmente incríveis da comunidade Cáritas e de todos os outros tipos de organizações relacionadas à igreja que nos ajudaram durante o ano passado.

Fornecemos cerca de quatro milhões de serviços ao longo do primeiro ano a bem mais de dois milhões de pessoas que receberam assistência pelo menos uma vez. É um número muito grande. Conseguimos fazer isto, graças à solidariedade e apoio, mas tivemos também uma outra camada de ajuda, porque sabíamos que havia pessoas que nos apoiavam e que não estávamos sozinhos. Isso foi muito importante para a nossa resiliência, para manter a força.

O novo apelo de emergência terá um foco diferente?

Está ainda focado em todo o país, nas necessidades básicas. Abrange quatro setores de ajuda humanitária: assistência alimentar, produtos de higiene e água, abastecimento de água potável e também estamos focados em abrigos. Teremos algumas reparações de abrigos, especialmente em áreas de difícil acesso com outros tipos de financiamento e onde podemos ser um pouco mais flexíveis. Também desenvolvemos toda uma rede de abrigos temporários próprios, onde as pessoas que estão a sair de uma situação difícil podem vir e ficar por um tempo, e depois ajudamo-las a sair do abrigo e a conseguir um lugar para arrendar e talvez encontrar um emprego. Temos também vários abrigos que direcionaram a sua atenção particular para pessoas muito vulneráveis, doentes ou idosos que não têm mais ninguém, que estão sozinhos e cujas casas foram destruídas nalgum lugar do leste da Ucrânia.

Em Portugal pode parecer-nos estranho entender que existem duas Cáritas na Ucrânia. A vossa Cáritas Ucrânia, ligada à Igreja greco-católica e a Cáritas-Spes, da Igreja de rito latino. Vocês trabalham juntos?

Temos interações muito amigáveis com o diretor da Caritas-Spes, estivemos juntos em muitas conferências. Neste momento, há tanta necessidade na Ucrânia que realmente não nos cruzamos tanto, só porque as necessidades são tão grandes.

Mas acho que, com o passar do tempo, continuaremos a construir pontos onde podemos cooperar ou fortalecer-nos mutuamente. Acho que provavelmente será um dos nossos objetivos daqui para frente nos próximos dois anos.

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