07 mai, 2023 - 14:02 • António Fernandes (correspondente da Renascença em Londres)
A coração do Rei Carlos III foi um daqueles eventos que acontece uma vez numa geração. Foram 70 anos de espera por uma cerimónia a que só cerca de 2200 pessoas assistiram dentro da Abadia de Westminster.
Entre eles estava Marcelo Rebelo de Sousa e um outro português. Chama-se Maciel Vinagre, é madeirense, ainda pensou que o convite se tratava de spam e diz que "nunca na vida" lhe aconteceu "uma coisa tão emocionante". Esta é a história de como um técnico de limpezas hospitalares acabou convidado para um dos eventos mais exclusivos do mundo.
Há quase 30 anos a viver no Reino Unido, Maciel foi surpreendido quando, em 2021, foi condecorado com a Medalha do Império Britânico. Tudo pelo papel no combate à pandemia nos hospitais onde trabalhava enquanto técnico de limpeza.
Nos primeiros tempos da pandemia, o Reino Unido viu-se a braços com uma escassez de produtos de proteção. "Nós, no máximo, tínhamos máscaras para mais 24 horas”. E entra o seu engenho: “Lembrei-me da minha mãe, quando pendurava a roupa para secar no quintal”. Comprou três linhas, agrafadores e umas molas para pendurar as máscaras. “Fizemos uma linha para pendurar 300 máscaras de cada vez”, colocando depois uma máquina de ultravioletas e um colega “a virar as máscaras de 30 em 30 minutos”.
Depois de análise, os testes mostraram que a solução baixava os níveis de bactérias. Passado três dias já “tínhamos 900 máscaras prontas” a usar de novo. A isso juntaram-se outras ideias, como a distribuição de álcool gel pelo hospital de forma controlada, fazendo com que os dois hospitais em que trabalhava nunca ficassem sem álcool, "enquanto noutros hospitais pediam aos pacientes para trazerem de casa." O reconhecimento da sua criatividade e liderança valeu a recomendação do diretor clínico. Mas essa medalha não foi o fim da história.
“Pensei que já tinha tido o meu momento de fama”, diz Maciel recordando a atenção que recebeu em 2020. Pela segunda vez em poucos anos, não percebia bem o que estava a acontecer. Quando chegou o convite “li uma, duas, três vezes”. Teve de chamar uma colega para confirmar, que rapidamente lhe disse “tens de ir”.
Foi rápido a responder, porque “o prazo para resposta era muito curto, depois o convite passava ao próximo”. De forma meio acidentada, acabou por só ter o convite em formato físico na última semana. Ainda o tem junto a si, e mostra-nos, orgulhoso, um convite “muito bonito”.
O convite deu-lhe direito também a um encontro para um chá nos jardins do Palácio de Buckingham, a residência oficial do Rei, onde se deslocou com a companhia da filha. Nesse evento, cumprimentou o Rei que lhe pareceu “uma pessoa muito humilde”.
Maciel foi um dos 450 convidados que tinham sido agraciados com a Medalha do Império Britânico, reconhecidos como heróis do dia-a-dia numa cerimónia que quis representar a sociedade para lá dos lords e chefes de estado.
O dia começou de madrugada, para estar na fila da Abadia antes das 7h15. Depois, todo um processo de segurança e já estava sentado quase três horas antes do início. Depois seria tempo de entrarem os chefes de estado e, por fim, a família real: “quando a família real entrou começaram as trombetas e, lá dentro, aquilo vibra tanto que até arrepia”.
Uma cerimónia com pontualidade britânica em que foi tudo “certinho, certinho”, diz impressionado. O programa foi seguido à risca. Enquanto milhões seguiam colados ao ecrã da televisão, Maciel estava numa posição privilegiada e diz que “não podia ter pedido melhor”, ficando a poucos metros do Rei quando este passou.
A coroação ficará na memória. "Nunca na tida tive uma coisa tão emocionante, foi um dia espetacular". Depois de “dizer que não tem palavras para descrever”, Maciel encontra-as para destacar alguns momentos: a entrada dos representantes dos 14 países da Commonwealth que partilham Carlos III como monarca, “chegaram todos com bandeiras e as suas roupas tradicionais”, numa cerimónia pode “fortalecer essas alianças”, numa altura em que alguns desses países, como a Jamaica ou a Austrália, começam a discutir abolir a monarquia.
Depois, a música, por coro e orquestra, que foi “espetacular”. E, por fim, a nota menos positiva vai para o Príncipe Harry. Num conflito muito público com a família, Harry deslocou-se a Londres para a coroação, mas apresentou-se sozinho, sem a companhia da duquesa de Sussex. Maciel diz que ficou “um bocadinho desapontado”, porque Harry “entrou com uma cara de que todo o mundo lhe devia dinheiro. Estava infeliz”, conclui.
Historicamente, a coroação, que tem no centro a cerimónia religiosa, é vista como um momento transformador do monarca. Sentiu Maciel que estava a acontecer alguma coisa especial? “Sim, definitivamente. E não só para o Rei, mas para todos os britânicos”. Da cerimónia, ficou a ideia de que o “Rei está ali para servir as pessoas, não para mandar”.
Maciel não teve oportunidade de falar com o outro português na comemoração, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. “Acho que só vi as costas dele a passar”, diz. De seguida, puxa o tempo atrás para as celebrações do 10 de Junho em Londres de 2022. Maciel tinha sido convidado pelo trabalho que fez para ajudar outros portugueses a tratarem do settled status, o estatuto de residente dado aos europeus no pós-Brexit.
A ocasião, de festa, não deixou boas memórias em Maciel, que se mostra ainda magoado com as declarações do Presidente. Na altura, diz Maciel, Marcelo centrou-se nos profissionais mais qualificados como “enfermeiros e cientistas”, mas não mencionou “carpinteiros e pedreiros, e nós (comunidade portuguesa no Reino Unido) não somos só doutores”.
Já as memórias da coroação ficarão para toda a vida.