19 jul, 2023 - 12:59 • Lusa
Itália vive esta semana aquela que já é a terceira onda de calor extremo deste verão, com o anticiclone africano Caronte, no seu pico esta quarta-feira, a deixar boa parte do país em "alerta vermelho" e a ameaçar estabelecer novos máximos de temperatura.
Depois de uma primeira vaga de calor em meados de junho, boa parte da península experimenta de forma consecutiva duas novas ondas de calor muito intenso, com o anticiclone subtropical Caronte, o mais forte do verão até ao momento, a suceder ao anticiclone Cérbero, que na semana passada já fez subir os termómetros bem acima dos 40 graus em muitas regiões do país, mas sobretudo no centro e sul e nas ilhas mediterrânicas da Sardenha e da Sicília.
E se a vaga de calor em junho foi relativamente moderada — embora este tenha sido globalmente o mês de junho mais quente de que há registo, segundo o observatório europeu Copernicus -, as duas “tempestades de calor” provocadas pelos anticiclones vindos de África, ambos ‘batizados’ com nomes de figuras da mitologia clássica e de «A Divina Comédia de Dante», colocaram boa parte do país em «alerta vermelho», fazendo perigar o recorde de calor jamais registado em Itália: 48,8 graus na Sicília, em agosto de 2021, tendo a Sardenha atingido já este mês os 48 graus.
Em declarações à Lusa, o chefe de redação do diário meteorológico MeteoLive.it, Alessio Grosso, observa que “a excecional vaga de calor que atinge sobretudo o centro e o sul de Itália não é novidade para o país, pois resulta da presença, agora constante, do anticiclone africano durante o período estival, que condiciona os verões no Mediterrâneo, tornando-os um sofrimento há mais de vinte anos”.
No entanto, admite, “raramente se verificavam estes valores máximos no mês de julho, de 46 e 47 graus”, e “a preocupação é a duração desta bolha de ar quente”, sendo que, pelo menos no norte, que tem sido relativamente ‘poupado’, “o calor está destinado a diminuir muito em breve sob o sopro de fortes trovoadas, favorecidas pela entrada de ar mais fresco de origem atlântica vindo de oeste”.
Copernicus
Aquecimento global, início do Verão no hemisfério (...)
Também Raffaele Salerno, diretor científico da sociedade de meteorologia Meteo Expert, antecipa à Lusa que na próxima semana já deverão ser registados “valores mais normais no norte de Itália, e o calor abrandará consideravelmente no sul, onde os valores permanecerão apenas ligeiramente acima da média na primeira semana de agosto”.
Contudo, também admite que “um efeito possível das alterações climáticas pode ser a frequência das ondas de calor, episódios de calor intenso e prolongado, como aquele a que estamos a assistir atualmente”, e que se faz sentir em particular nos grandes centros urbanos, razão pela qual hoje 23 cidades estão em alerta máximo, casos de Roma — “a cidade infernal”, como titulava recentemente o jornal britânico The Times, aludindo ao «Inferno de Dante» -, Florença, Nápoles, Cagliari (Sardenha), Palermo e Catânia (na Sicília).
“A incidência de ondas de calor é mais evidente nas áreas urbanas, onde a temperatura é mais elevada, até mais 3 ou 4 graus, do que nas áreas circundantes. São as chamadas «ilhas de calor», que acentuam os episódios de calor intenso”, explica.
As vagas de calor que atingem com cada vez maior frequência e intensidade a Itália são motivo de preocupação acrescida atendendo a que, segundo um estudo recentemente publicado na revista científica Nature Medicine, este foi o país da Europa com mais mortes associadas ao calor em 2022 (18.010 óbitos).
“É sabido que a frequência destes episódios nos meses mais quentes da estação estival representa um risco, de natureza cardíaca e não só, para a saúde da população idosa e frágil, devido ao stress a que o organismo é sujeito”, comenta Raffaele Salerno.
No entanto, este diretor científico nota que, sendo “verdade que se assiste a um pico anormal muito claro de mortalidade a meio do verão”, como sucedeu em 2022, um cenário apenas comparável a 2003, “quando um calor excecional criou problemas consideráveis na Europa”, “os autores do artigo da «Nature Medicine» só falam de «correlação», nunca de «causa»”.
“O excesso de mortes está também correlacionado com outras condições, nomeadamente com problemas, por exemplo, do sistema de saúde e da qualidade dos cuidados. Mas também é verdade que o calor abrasador afetou os idosos já frágeis e debilitados, o que provocou o pico de mortes registado no verão de 2022”, um cenário que as autoridades tentam evitar este ano, com a emissão de alertas e conselhos frequentes à população.