16 ago, 2023 - 07:00 • Tomás Anjinho Chagas , Ana Catarina André , João Carlos Malta
Os últimos dois anos “foram um completo desastre que aconteceu ao Afeganistão”. E há dois culpados para este cataclismo humano: as traições da comunidade internacional e do anterior presidente do país, Amrullha Saleh. A tese é de Nilofar Ayoubi, de 28 anos, jornalista e CEO do Asia Time Afghanistan, jornal que já foi proeminente no país.
Quando os talibãs regressaram ao poder em 2021, não teve outra alternativa senão sair do país e rumar à Polónia. Temia pela vida dela e dos três filhos. Deixou o coração em Cabul, mas sentiu que poderia ser mais útil fora do país do que a ser silenciada pelos novos donos do poder.
Partiu rumo à Europa do Leste. Hoje é uma ativista muito conhecida nas redes sociais e cuja voz chega aos vários cantos do mundo.
Para uma mulher como Nilofar, as consequências da chegada dos extremistas religiosos ao poder foram imediatas e devastadoras. “As mulheres não têm direitos, deixaram de ter uma existência no Afeganistão”, disse à Renascença.
Members of Our group (Afghanistan Women’s Political Participation Network)
— Nilofar Ayoubi 🇦🇫 (@NilofarAyoubi) August 15, 2023
In organized peaceful protests from Inside on the left , and around the world Protested today on the 2nd Anniversary of Black August, and called on the UN and the world to Not Support the Taliban. pic.twitter.com/Bhwc06AO2x
Recentemente, as mulheres com mais de 11 anos estão impedidas de frequentar a escola, mas a jovem de 28 anos acredita que seja uma questão de tempo até as meninas entre os seis e os 10 anos também não o possam fazer.
Na economia, as mulheres deixaram de poder trabalhar e muitas das que lideravam negócios tiveram de os fechar. “Cerca de 60 mil mulheres ficaram sem trabalho, nomeadamente as que trabalhavam em salões de beleza, eram professoras ou educadoras de infância”, recorda.
“Há pessoas que estão a morrer de fome porque simplesmente as mulheres deixaram de trabalhar e o rendimento não chega”, salienta.
Por toda a perseguição feita a pessoas do sexo feminino, Nilofar sente que o Afeganistão é um “país inseguro”. E pede que as pessoas não se deixem enganar com a narrativa talibã de que a lei e a ordem voltaram a imperar.
"Há pessoas que estão a morrer de fome porque simplesmente as mulheres deixaram de trabalhar e o rendimento não chega”, Nilofar Ayoubi.
A ativista diz que quem era antes agente da polícia, membro do exército, ou mulher e trabalhou no governo, especialmente no setor da segurança, e ainda aquelas que trabalhavam para ONG, são perseguidos.
Há dois anos os talibãs voltaram a recuperar o pod(...)
“A vida tornou-se uma prisão para as mulheres”, resume Nilofar Ayoubi.
Esta afegã é muito crítica em relação à ação da comunidade internacional que ao abrigo da situação humanitária continua a fazer chegar ajuda ao país. Garante que os biliões de dólares enviados pelos EUA, por exemplo, não chegam às pessoas no terreno e são usados pelos talibãs para aumentar a repressão sobre a população.
“Estão a ajudar os extremistas e não as pessoas”, sentencia.
A jovem de 28 anos considera esta segunda passagem dos talibãs pelo poder como pior do que a primeira.
“Agora, de repente, na era da tecnologia e da liberdade de expressão, na era dos média, vemos o Afeganistão ser esmagado pelo regresso à era medieval e não se faz nada, mesmo estando a acontecer em frente aos olhos do mundo”, critica.
Desde a tomada do poder pelos talibãs no Afeganist(...)
“É muito pior do que anteriormente, porque antes era muito difícil conseguir reportar o que se passava a partir do terreno, mas agora as pessoas estão a gritar todos os dias através dos telemóveis sobre o que se acontece no seu dia-a-dia. Estão a ser ignorados”, acrescenta.
“A vida tornou-se uma prisão para as mulheres”, Nilofar Ayoubi.
Perante tudo isto, Nilofar crítica a hipocrisia da comunidade internacional que se diz acreditar “nos direitos humanos e nos direitos das mulheres”, “devia praticar o que pregam”.
“As mulheres estão a ser detidas, colocadas em prisões e torturadas”, remata.
Entratanto, a associação Setare, que nasceu com o objetivo de promover a educação de jovens provenientes de países em conflitos, pretender trazer para Portugal onze afegãs.
“O plano é tê-las cá em setembro, quando as universidades abrirem”, diz à Renascença Tajala Abidi, uma das fundadoras da organização, explicando que nove raparigas irão frequentar mestrados e duas licenciaturas.