03 out, 2023 - 15:03 • Beatriz Pereira com redação
O prémio Nobel da Física, entregue esta terça-feira, foi atribuído não a um mas a três cientistas - os franceses Pierre Agostini e Anne L’Huillier e ao cientista austro-húngaro Ferenc Kraus - pelo seu trabalho na observação de eletrões nos átomos na mais pequena fração de segundo.
“Este Nobel reconhece uma capacidade extraordinária que agora temos, que é a capacidade de ver coisas com flashes, usando flashes de luz ultra rápidos”, diz à Renascença o físico e professor universitário Carlos Fiolhais.
Segundo o físico, esta área tem o nome de física óptica do attosegundo, “um tempo incrivelmente pequeno”.
“Um attosegundo está para o segundo tal como o segundo está para o tempo de vida do universo desde o Big Bang, que são 14 mil milhões de anos, é uma coisa que nos custa imaginar”, admite Carlos Fiolhais.
À Renascença, o físico diz que este avanço tecnológico vai “servir para fotografar os processos que se dão nos átomos e moléculas”.
“Se olharmos para um pássaro a voar, o pássaro está a bater as asas e o nosso olho não consegue ver, porque o movimento das asas é muito rápido. O mesmo se passa com os eletrões nos átomos e moléculas quando estão a fazer transições tão rápidas, movimentos que nós, até agora, não tínhamos possibilidade de seguir”, exemplifica.
Carlos Fiolhais admite que a tecnologia vai permitir conhecer melhor os movimentos à escala atómica e molecular, o que abre a porta a “possibilidades extraordinárias”.
Já em comunicado, a Real Academia Sueca de Ciências , anunciou após a entrega do prémio que "os três vencedores do Nobel da Física de 2023 estão a ser reconhecidos pelas suas experiências, que deram à humanidade novas ferramentas para explorar o mundo dos eletrões dentro dos átomos e moléculas”.
Attosegundos
Pierre Agostini, Ferenc Kraus e Anne L’Huillier la(...)
A primeira cerimónia dos prémios Nobel começou em 1901 e até agora só houve quatro mulheres a ganhar o prémio Nobel da Física, uma das quais foi Madame Curie, em 1903, responsável pelas pesquisas sobre substâncias radioativas.
Para Fiolhais, este Nobel “vem, de algum modo, compensar uma grande injustiça, que é toda a história da ciência do século XX, em que o papel da mulher é ignorado”.
A laureada Anne L’Huillier, que ensina na Universidade de Lund, na Suécia, citada pela agência AFP, disse que tinha recebido o telefonema do júri enquanto estava a dar uma palestra.
“Estou muito emocionada, não há muitas mulheres que tenham ganho o prémio, por isso é muito, muito especial”, referiu.
Carlos Fiolhais acredita que, para além de se assinalar “o facto de uma mulher ter sido premiada, devemos também assinalar o facto de haver três europeus vencedores, dos quais dois estão a trabalhar na Europa”.
À Renascença, o professor universitário e físico refere que a maior parte dos prémios Nobel têm distinguido cientistas americanos, o que sugere que este prémio valoriza “a Europa que tem conhecimento, tem capacidade científica. No fundo, a Europa é o sítio onde nasceu a ciência moderna, é o sítio de Galileu e de Newton”, diz.
Já sobre o prémio ser entregue a personalidades portuguesas, Fiolhais lamenta que ainda só tenha acontecido duas vezes: a Egas Moniz, com o Nobel da Medicina, e a José Saramago, da Literatura.
“O nosso nível de investimento na ciência ainda é pequeno. Nós gastamos 1,7% do PIB quando a Europa gasta 2,1% e quer gastar 3%. Estamos muito atrasados”, revela.
O físico refere que seria “bom que o Orçamento do Estado contemplasse mais a ciência, porque se nós não investimos nesta área, nós estamos, de algum modo, a chegar atrasados ao futuro”.
“Aqueles que criam o futuro nos seus laboratórios chegam lá primeiro mais rápido e mais barato. Quando as coisas chegam cá, chegam tarde e caras”, atira. “Se nós continuarmos como estamos, na cepa torta, nós não poderemos esperar milagres e não poderemos ver os frutos.”